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Gestão na prática

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Auditor fiscal fala das mudanças legais reforçando que somente com envolvimento de todos haverá evolução

Entrevista à jornalista Daniela Bossle

 

O Auditor Fiscal do Trabalho Mauro Marques Müller, 48 anos, é hoje uma figura conhecida junto ao processo de negociação tripartite e revisão das Normas Regulamentadoras junto à CGSST/SubSIT em Brasília. A frente de diversos grupos de trabalho e também na CTPP, Müller vem atuando fortemente na atualização dos textos normativos representando a bancada de Governo. Antes de dedicar seu tempo exclusivamente a este trabalho, ele foi chefe da Seção de SST da SEGUR–RS na Superintendência Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul e antes ainda trabalhava em Passo Fundo/RS, onde iniciou sua carreira como AFT e coordenou o Projeto de Fiscalização em Frigoríficos. Na época envolveu-se em diversas ações voltadas para o setor que culminaram com a publicação da NR 36 em 2013. Recentemente teve importante participação na reformulação da NR 4 (SESMT) aprovada em agosto e sobre a qual fala nesta entrevista.

Por não ser médico nem engenheiro, mas graduado em História, Müller buscou aprimoramento cursando Especialização em Auditoria Fiscal de Segurança e Saúde no Trabalho na Faculdade de Medicina da UFRGS, e, em 2022 iniciou Mestrado em Engenharia da Produção com ênfase em Ergonomia, área que se apaixonou quando passou a estudar com afinco a realidade de trabalho nos frigoríficos.

Natural do interior do Rio Grande do Sul, do município de São Pedro do Sul, mudou-se com seus pais aos seis meses de idade para Santa Maria. Como professor lecionou na cidade até meados dos anos 2000 para alunos de primeiro grau, ensino médio e Educação de Jovens e Adultos nas redes municipal, estadual e também particular.

Em agosto tivemos a publicação da NR 4, uma norma que gerou muitas discussões entre os integrantes das bancadas em seu processo de revisão. Quais os pontos de evolução na nova norma? Vejo vários pontos que tivemos evolução. Por exemplo, no capítulo 4.3 sobre competência, composição e funcionamento foi realizada a harmonização especialmente com o gerenciamento de riscos ocupacionais, conforme estabelecido pela nova NR 1. A fim de cumprir sua finalidade, o SESMT deverá elaborar ou participar da elaboração do inventário de riscos e acompanhar a implementação do plano de ação do programa de gerenciamento de riscos; implementar medidas de prevenção de acordo com a classificação de risco do PGR e na ordem de prioridade estabelecida na NR 1. Trata-se de um alinhamento fundamental com a NR 1. Tivemos um alinhamento com outras NRs importantes. Por exemplo, em relação à NR 5, previu-se que o SESMT deve manter permanente interação com a CIPA, quando existente, ou representante nomeado. Já em relação à NR 7, previu-se que o SESMT deverá acompanhar e participar nas ações do PCMSO (Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional). Entendo que tivemos uma grande reformulação e simplificação dos tipos de SESMT previstos anteriormente, e que estão previstos no capítulo 4.4 sobre modalidades do SESMT. São três modalidades de SESMT: individual, regionalizado e estadual. Cada um deles possui o conceito, a abrangência e as características definidas pela Norma. Além disso, permitiu-se o estabelecimento de um trabalho de prevenção compartilhado entre SESMTs de diferentes organizações de mesma atividade econômica, localizadas em um mesmo município ou em municípios limítrofes, ainda que em diferentes unidades da Federação, organizado pelas próprias unidades interessadas ou na forma definida em acordo ou convenção coletiva de trabalho. Outro ponto importante sobre o dimensionamento do SESMT no capítulo 4.5 é que procurou-se trazer maior segurança jurídica com a inclusão de definições sobre atividade econômica principal e preponderante, em linha com a legislação previdenciária. Mais um avanço foi a norma trazer com clareza a previsão de que os trabalhadores das empresas prestadoras de serviços, sem atendimento por SESMT próprio, devem integrar o cálculo do dimensionamento das contratantes, conforme requisitos específicos previstos na NR 4. Por fim, não posso deixar de mencionar a inclusão da previsão da atualização periódica do Anexo I – Relação da Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE, com correspondente Grau de Risco, onde consta a atribuição do grau de risco para cada classe de atividade econômica. É um aspecto fundamental para o dimensionamento do próprio SESMT, da CI-PA, nos termos da NR 5 e para outros requisitos previstos em diversas NRs, especialmente em relação às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte. Assim, o anexo será atualizado a cada cinco anos com base em indicadores de acidentalidade. Esses indicadores serão construídos de forma tripartite por meio da CTPP no prazo máximo de dois anos, data acordada para a realização da primeira atualização após a publicação do novo texto da NR 4.

A importância dos SESMTs e sua contribuição na redução de acidentes e doenças no país ao longo dos anos é inegável, porém, como avalia que está hoje a eficácia deste serviço? Há fatores que limitam ou dificultam uma atuação mais eficaz? Penso que a atuação eficaz e a efetividade no atendimento da finalidade do SESMT estão muito ligadas à autonomia dos profissionais que integram os serviços. Vemos na prática que quando o serviço está vinculado ou subordinado ao departamento de pessoal da organização é mais comum ocorrer a falta de autonomia do SESMT. A experiência de fiscalização mostra que nesses casos, o SESMT normalmente atua de forma reativa às questões de SST, direcionado prioritariamente para questões monetárias, como, por exemplo, priorizando medidas de caráter individual ou administrativo para neutralização de agentes insalubres e periculosos. Por outro lado, quando no organograma da empresa o serviço está vinculado ao setor de produção, o SESMT atua de forma proativa, participando da discussão de novos projetos, adequação de máquinas e equipamentos, bem como de programas de melhoria contínua das condições de trabalho, segurança e saúde dos trabalhadores da organização. Na maioria das vezes também vemos uma preocupação efetiva com trabalhadores de organizações contratadas, procurando oferecer as mesmas condições oferecidas aos trabalhadores próprios. Isso é o que podemos observar na prática, mas um fator que pode limitar a atuação dos profissionais do SESMT é o medo de retaliação, pois muitos empregadores ainda enxergam o serviço somente como uma obrigação legal e as recomendações do SESMT podem ser vistas como interferência na atividade produtiva, que poderiam reduzir a produtividade e o faturamento da empresa. Na minha opinião, nesses casos, muitos profissionais podem se esquivar de uma atuação mais efetiva, como por exemplo na paralisação de uma atividade que ofereça risco grave e iminente para os trabalhadores. Fora isso, entendo que uma questão que influencia negativamente a atuação do SESMT é o não cumprimento da carga horária. Em fiscalizações é comum não encontrar os profissionais no estabelecimento durante o horário informado pela empresa ou a falta de controle da jornada de trabalho pelo empregador. Entendo que a não permanência dos profissionais no horário previsto reduz o envolvimento com a rotina da organização, com a participação nas reuniões e decisões tomadas e com o acompanhamento da implementação das medidas de controle. Pessoalmente entendo que uma grande limitação esteja na composição SESMT por meio de um quadro fixo de profissionais. Hoje é inegável a importância dos fatores ergonômicos e psicossociais na prevenção de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho, mas não temos a possibilidade de integrar no SESMT qualquer profissional com expertise nessas áreas, além dos profissionais previstos. Além disso, a principal mudança na NR 1 previu a obrigação das organizações realizarem um gerenciamento de riscos ocupacionais que abranja todos os riscos relacionados ao trabalho, ou seja, não se está mais restrito apenas a riscos físicos, químicos e biológicos, como no antigo PPRA. Vejo que nesse ponto faltou à NR 4 de alguma maneira acompanhar essa evolução em relação aos tipos de especialidades que podem compor o SESMT. Penso que esse é um tema muito relevante para melhoria futura do SESMT. Mesmo nas empresas em que existem serviços de psicologia, fisioterapia e ergonomia, constatamos nas fiscalizações que eles possuem interação limitada com o SESMT sendo, na maioria das vezes, considerados acessórios no processo de prevenção de acidentes e melhoria das condições de trabalho.

Um dos grandes problemas sempre foi que o Serviço acaba só existindo nas grandes empresas e as menores ficam descobertas. No novo texto há alguma mudança em relação a isto? Essa questão é muito importante. A equipe técnica fez duas propostas com a finalidade de melhorar a abrangência do atendimento pelo SESMT. A primeira diz respeito às empresas de prestação de serviços a terceiros. Essas empresas disponibilizam aos contratantes equipes de trabalhadores que dificilmente atingem o número mínimo para constituição de um SESMT. Nesses casos, os trabalhadores dessas contratadas devem ser incluídos no dimensionamento do SESMT. Isso ocorreu para garantir o atendimento desses trabalhadores pelo SESMT da organização. Por outro lado, também para garantir que em casos extremos, nos quais a maior parte das atividades fosse realizada por trabalhadores de diversas empresas, quando atingido o número previsto na NR 4, conforme o grau de risco, seja constituído e mantido o SESMT considerando todos os trabalhadores envolvidos, tanto da contratante quanto das contratadas. Essa proposta foi aprovada por consenso e está no texto da nova NR 4 no item 4.5.2, ampliando o serviço para contemplar o atendimento dos trabalhadores terceirizados pelo SESMT da tomadora, quando eles não forem atendidos por SESMT da contratada. A segunda proposta focava exatamente em prever um tipo de SESMT especial para as empresas que atualmente não tem a obrigação de ter SESMT, ou seja, aquelas pequenas e médias empresas que não atingem o número mínimo do Anexo II da NR 4. A proposta previa a contratação de profissionais de segurança e saúde de acordo com o acompanhamento de um indicador de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho do respectivo setor econômico por classe de CNAE. Entendo que isso permitiria um ganho enorme no trabalho de prevenção, pois as empresas que não estão obrigadas a ter SESMT e vêm apresentando altos índices de acidentalidade poderiam contar com a assessoria e o trabalho de profissionais do SESMT para atuar na prevenção e redução dos acidentes e doenças relacionadas ao trabalho. Essa proposta não foi incluída no texto da NR 4, mas a CTPP encaminhou para que o tema seja estudado e aprofundado por um grupo de estudo tripartite, que deverá realizar esse trabalho no próximo ano.

Para fechar esta parte da NR 4, não posso deixar de perguntar sobre o item que obrigava que os membros fossem funcionários da empresa, e que foi retirado, abrindo-se, assim, o espaço para a terceirização dos profissionais. O temor é que isto precarize o serviço, que se contratem consultorias baratas e estas por sua vez também contratem profissionais baratos sem compromisso com a qualidade do serviço. Qual sua opinião? Pessoalmente entendo que esse tipo de precarização não será a regra. Em primeiro lugar em relação à terceirização, porque mesmo sendo possível terceirizar o SESMT, muitas empresas vão manter a contratação direta de profissionais como empregados, seja por já terem profissionais especializados no seu time com um histórico importante na organização, seja por definição estratégica, no sentido de manter como empregado próprio, portanto diretamente vinculando à organização, profissionais fundamentais para um ótimo trabalho de gestão em Segurança e Saúde no Trabalho. Nesse sentido chamo atenção para dois dispositivos da NR 4: primeiro, um dos profissionais do SESMT deve ser o coordenador (item 4.3.4 da NR 4). Não seria melhor alguém da equipe da própria empresa ser coordenador do SESMT? Segundo, nos casos em que exista médico do Trabalho, ele deve ser o responsável pelo PCMSO (item 4.7.3 da NR 4). Da mesma forma, não seria estratégico o médico do Trabalho responsável pelo PCMSO de toda a empresa ser empregado próprio? Considerando a hierarquia das leis no direito brasileiro, penso que não é possível escrever ou manter um item de norma regulamentadora, publicada por meio de Portaria Ministerial, com conteú-do em desacordo ao que prevê a Lei. A possibilidade de terceirização dos serviços decorre da Lei 13.429/2017, que alterou a Lei 6.019/1974, permitindo a contratação de empresa de prestação de serviços para quaisquer atividades, inclusive a atividade principal (Artigo 4º-A). Por essa razão, não seria possível manter o item da NR 4 antiga que previa a contratação dos profissionais somente como empregados da empresa obrigada a constituir SESMT. Entendo que o cumprimento da finalidade do SESMT e a qualidade dos serviços dependem de inúmeros fatores, passando pela determinação do empregador, pela participação dos trabalhadores, pela atitude vigilante das representações dos trabalhadores, pela fiscalização da inspeção do trabalho e pela atuação diligente dos profissionais que fazem parte do serviço, seja ele terceirizado ou não.

Todas as NRs cujas revisões foram coordenadas por você, já saíram como a 4, 5, 17 e 36. Agora entramos num outro momento que é a fiscalização do cumprimento destas normas e a sua implementação pelas empresas. Como você avalia o estágio em que as empresas se encontram para cumprir as novas determinações? Quais as maiores dificuldades? Vejo que muitas organizações estão em processo de aprendizagem nesse caminho novo inaugurado pela nova NR 1. Em muitas situações nos deparamos com velhas práticas, ainda muito arraigadas, de fabricação de documentos apenas para cumprir com a obrigação da norma. Trata-se de uma questão cultural. Precisamos todos avançar para uma cultura de SST que esteja voltada para um processo de gestão da prevenção nos locais de trabalho que inclua, não só a documentação, mas especialmente o acompanhamento das medidas e a busca da melhoria contínua. Vejo como um grande desafio a integração da NR 17 – Ergonomia com a NR 1, especialmente da Avaliação Ergonômica Preliminar no processo de gerenciamento de riscos ocupacionais. Dificuldades podem surgir tanto por se tratar de um requisito novo da NR 17 quanto pelo fato de não existir um modelo ou padrão estabelecido. A fiscalização é parte importante disso. Vejo que também estamos num processo de aprendizado. Após a publicação das NRs temos um momento muito importante de capacitação dos colegas. Isso já ocorreu em relação à NR

1 e está em andamento em relação à NR 17. Também estamos preparando a capacitação em relação à NR 4 e NR
5. Além disso, temos procurado realizar um trabalho de divulgação amplo, seja por meio da Canpat como também participando de outros eventos.

Além das NRs que outros aspectos são importantes para que a segurança e a saúde dos trabalhadores possam de fato evoluir dentro das empresas trazendo reflexos à prevenção? Como falei, em minha opinião, é preciso avançarmos, amadurecermos enquanto cultura de SST no nosso país, com o envolvimento e a participação de todos os atores que fazem parte desse contexto, que se torne prioridade o trabalho de gestão e prevenção em SST de forma contínua e permanente. Entendo que outro aspecto fundamental é o envolvimento direto dos níveis gerenciais da organização com as questões de SST. Quero me referir a como a SST é realizada no local de trabalho, à prática de SST no “chão de fábrica”. Se não tiver o envolvimento do gestor de cada nível, de nada adianta ter um bom plano, com medidas adequadas e ótimas soluções, porque provavelmente as medidas podem não ser implementadas ou não ser mantidas.

Especialmente sobre a NR 36, assim que foi publicada em 2013, Proteção fez reportagem de capa e na época você contribuiu bastante com a nossa matéria pois fiscalizava fortemente este setor. Como foi esta experiência de fiscalizar o segmento que ainda possui números significativos de acidentes de trabalho se comparado a outros setores? Quais eram os principais problemas do ponto de vista da SST? Eu não conhecia como funcionava esse tipo de indústria antes de entrar para o Ministério do Trabalho. A experiência de fiscalizar esse setor foi muito interessante e despertou minha paixão pelo estudo da ergonomia. Não é possível fiscalizar frigoríficos sem se aprofundar nas questões ergonômicas. Os principais problemas de SST dos frigoríficos estão relacionados com os fatores ergonômicos. Podemos citar a repetitividade, fruto da pressão temporal e do ritmo imposto e acentuado, por meio do controle rigoroso dos tempos e dos movimentos na execução de operações sequenciadas; o emprego excessivo de força demandado por diversas atividades; a ausência de pausa suficiente para recuperação, bem como a exigência de posturas nocivas de trabalho em diversas atividades.

Falando em NR 36, ela está suspensa pela justiça e segue valendo a norma anterior. Um dos motivos apontados é de que as pausas para o restabelecimento muscular dos trabalhadores das linhas produtivas seriam retiradas, o que significaria um retrocesso. O que houve? Quanto à suspensão do processo de revisão da NR 36, isso ocorreu em função da concessão de liminar em processo judicial que está sendo discutida nos autos. Eu considero que as pausas constituem o grande avanço da NR 36 em termos de prevenção. A proposta da equipe técnica de governo é manter as pausas como previstas no atual texto da NR por considerar que elas são uma medida essencial para propiciar a recuperação psicofisiológica dos trabalhadores na indústria frigorífica. Tenho a esperança de que as bancadas de trabalhadores e empregadores também sejam favoráveis a manter as pausas estipuladas na NR 36, pois assim poderemos manter o consenso já alcançado nessa questão lá em 2013.

Ref.: Revista Proteção, Saúde e Segurança do Trabalho (Digital): Gestão na prática Editora Proteção Publicações. Ed. 370, p. 10, outubro/2022.

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