Engenheiro propõem método para prevenção de acidentes ampliados que possa ser aplicado de forma prática pelas empresas
Entrevista à jornalista Daniela Bossle
A vontade de crescer profissionalmente e de assumir cargos de liderança no setor industrial foi o que impulsionou o técnico em operações em refinaria de petróleo do Rio de Janeiro, Washington Barbosa, a dar continuidade aos estudos. Antes mesmo de concluir a graduação em Engenharia Industrial já assumia a supervisão de setor produtivo em uma indústria. Logo percebeu que precisava aprender muito mais, caso quisesse fazer a diferença. Vieram as especializações em Engenharia de Segurança do Trabalho, Gestão das Organizações, Qualidade, Meio Ambiente e Ergonomia, o Mestrado em Engenharia de Produção com foco em Gestão da Qualidade. Passou também a trabalhar como servidor público na Fiocruz e a dar aulas em cursos de graduação e pós-graduação.
Com o Doutorado em Engenharia de Produção na área de Gestão de Riscos e Prevenção de Acidentes Ampliados, ampliou sua visão em relação aos acidentes maiores criando a Abordagem de Segurança Proativa.
Hoje, como professor e palestrante, procura conduzir seus alunos para uma análise que utilize, além dos métodos tradicionais, a sua metodologia, que segundo ele, consegue contribuir de forma mais concreta para a compreensão das grandes tragédias e evitar que novas aconteçam.
Barbosa é autor do Blog Prevenir Tragédias publicado mensalmente no site da revista Proteção.
Com uma formação essencialmente técnica no início de sua vida profissional, você acabou, depois, trilhando um caminho além da técnica, incorporando a ergonomia e um olhar mais sistêmico para o trabalho. O que fez você chegar a um lugar tão diferente de onde você começou?
Na minha trajetória profissional tenho buscado me aprimorar através de capacitações e aplicar estes conhecimentos nas organizações em que trabalho. Comecei minha carreira como técnico, e atuei em atividades operacionais em uma refinaria de petróleo. Essa experiência inicial me deu uma base sólida e um entendimento prático dos processos industriais e da gestão nas organizações. A busca pelo crescimento profissional e pessoal me levou a um caminho natural: a Engenharia. Meu objetivo, na época, era elevar meu nível de conhecimento e me qualificar para atuar em posições de liderança e chefiar setores. Essa transição acadêmica foi crucial e, mesmo antes de concluir a graduação, fui contratado para supervisionar um setor produtivo em uma fábrica. Nesta nova função, minha responsabilidade era chefiar operadores de produção, o que exigiu de mim um novo conjunto de habilidades. Só que ao iniciar as atividades de supervisão e chefia, a necessidade de aprofundar meu conhecimento em gestão, liderança, recursos humanos e outros correlatos, fico evidente para mim. Essa percepção me impulsionou, então, para minha próxima etapa: a pós-graduação. Iniciei com uma especialização e, posteriormente, no Mestrado em Engenharia de Produção, dediquei-me à temática de Gestão da Qualidade. Esta formação acadêmica me deu a base teórica que eu precisava para aprimorar minhas práticas no gerenciamento de pessoas e equipamentos. O estudo e a aplicação diária dos conceitos de gestão da qualidade me trouxeram bons conhecimentos em liderança, planejamento estratégico, gestão por processos, resultados e outras áreas, que hoje defino como visão sistêmica. E apesar de não ter buscado o doutorado imediatamente após o mestrado, por questões profissionais e pessoais, continuei me especializando nas áreas de Engenharia Ambiental, Segurança do Trabalho e Gestão de Organizações. Foi após 20 anos da conclusão do mestrado que iniciei um novo projeto: o doutorado. Focando inicialmente em gestão de riscos e ergonomia, me doutorei em Engenharia de Produção com a temática de Gestão de Riscos e Prevenção de Acidentes Ampliados/Maiores/Tragédias. Durante o doutorado, minha abordagem se expandiu para além da engenharia. Me aproximei de áreas do conhecimento da Psicologia e da Sociologia aplicadas na prevenção de acidentes maiores. Essa soma de conhecimentos acadêmicos aliada a minha experiência profissional me trouxe uma boa fundamentação para o desenvolvimento da Prevenção de Acidentes Maiores através da ASP (Abordagem da Segurança Proativa). Minha jornada, que começou em atividades operacionais, culminou com a criação de uma abordagem de segurança que integra diferentes saberes para a proteção das pessoas, meio ambiente e o patrimônio das organizações.
Você pode explicar melhor no que consiste esta metodologia que você criou chamada Abordagem de Segurança Proativa? E em que situações ela pode ser aplicada?
A ASP ou Abordagem da Segurança Proativa é uma proposta complementar a todos os métodos tradicionais de análise de riscos, e é focada na prevenção dos acidentes maiores e tragédias. Como falei, é o resultado da minha tese de doutorado na qual respondi à pergunta: Como prevenir acidentes maiores que são recorrentes no Brasil e no Mundo? Os métodos tradicionais de análise de riscos são importantes e têm a sua finalidade, mas não foram desenvolvidos com o foco na prevenção destes acidentes maiores, e a proposta que desenvolvi, vem com o propósito de cobrir esta lacuna. A abordagem pode ser utilizada em situações em que as consequências de um desvio, incidente, não conformidade e demais disfunções organizacionais combinadas podem levar a tragédias, resultando em múltiplas fatalidades, grandes danos ambientais e impactos sociais e econômicos. É uma abordagem que pode ser aplicada em diversos setores e contextos como na indústria pesada para prevenir acidentes em fá-
bricas, plataformas de petróleo, usinas nucleares ou qualquer operação com alto potencial de risco. Em sistemas com infraestrutura crítica também se aplica sendo muito útil para avaliar a segurança de barragens, pontes e outros sistemas. Outra possibilidade de uso é para garantir a segurança de sistemas de transporte público, aviação ou operações logísticas complexas. Nos eventos de grande porte a fim de garantir a segurança em shows, competições esportivas ou outras aglomerações a metodologia é bastante útil também. E, claro, ela é aplicável em organizações, setores e atividades de uma forma geral sempre ajudando a identificar e mitigar os riscos antes que eles se transformem em tragédias. Ela convida a uma reflexão mais profunda e sistêmica sobre segurança em vez de se limitar a soluções pontuais.
Quais seriam os desafios e as vantagens ao aplicar a Abordagem da Segurança Proativa em organizações para reduzir a possibilidade de acidentes ampliados?
O principal desafio ao aplicar a Abordagem da Segurança Proativa é compreender a complexidade da construção sociotécnica do risco. Isso implica reconhecer que os acidentes maiores não são resultado de uma única falha, mas da interação intrincada e muitas vezes imprevisível entre fatores humanos, tecnológicos, organizacionais e culturais. Desvendar essas interconexões, identificar vulnerabilidades ocultas em sistemas complexos e prever como diferentes falhas se conjugarão exige um esforço considerável de análise, modelagem e monitoramento contínuo. As vantagens de adotar esta abordagem são substanciais e de longo alcance. É uma metodologia desenvolvida especificamente para prevenir acidentes maiores, o que é crucial para organizações. Seu fundamento está numa sólida base histórica e teórica de propostas em segurança, que culminam na sua criação. Essa abordagem está validada e traz uma base robusta de estudos de casos de acidentes maiores mundiais demonstrando, assim, a sua eficácia em contextos reais.
Eu sei que são muitos e eles infelizmente nunca param de acontecer, mas olhando um pouco para trás, quais os grandes acidentes que mais lhe marcaram? Quais os aprendizados?
Inicialmente quero destacar os quatro estudos de caso que serviram de base para a minha tese de doutorado: a explosão do ônibus espacial Challenger, o acidente nuclear de Fukushima, a explosão na Refinaria Texas City, e a explosão no Porto de Beirute. A partir deles, desenvolvi os três modelos que fundamentam a Abordagem da Segurança Proativa. O ponto principal para mim é a forma como os sinais de alerta foram ignorados antes de cada uma destas tragédias. Além destes, outros acidentes também trazem lições valiosas. O rompimento das barragens em Mariana e Brumadinho, assim como as duas quedas dos aviões Boeing 737-Max, demonstram a necessidade de aprimorar a gestão organizacional, que não agiu de forma proativa, mesmo após o primeiro evento grave em cada um destes acidentes. Outros casos que analisei incluem a implosão do submersível Titan, o acidente do Bondinho de Santa Teresa, a queda do voo AF-447 e a explosão da plataforma Deepwater Horizon e muitos outros, na verdade. Cada um deles oferece importantes lições para as organizações.
Qual a sua impressão em relação à maturidade dos profissionais da área para lidar com acidentes maiores do ponto de vista da prevenção? Em que estágio estamos?
Na minha pesquisa de doutorado verifiquei e confirmei a informação destacada pela socióloga e professora norte-americana Diane Vaughan em seu artigo O Lado Negro das Organizações: existem poucas pesquisas no mundo com propostas detalhadas para a prevenção de acidentes maiores. A maioria dos estudos foca em áreas ou setores específicos, e isso demonstra uma lacuna preocupante. Esta falta de pesquisa, aplicação e validação é compreensível porque esta temática exige tempo, dedicação e um conhecimento detalhado em diversas áreas, como Engenharia, Gestão Organizacional, Sociologia, Psicologia, Ergonomia e outras áreas de conhecimento, que vão depender sempre do escopo a ser analisado. Além disso, experiências profissionais relevantes, principalmente em operações e liderança de equipes, em diversos setores e atividades, são essenciais para desenvolver uma visão sistêmica e analítica destes acidentes. Há uma distância grande entre o mundo acadêmico e o profissional. Muitas propostas teóricas ainda precisam ser validadas e transformadas em boas práticas que possam realmente ser aplicadas nas organizações. Acho que estamos em um estágio intermediário, é fundamental que mais estudos sejam desenvolvidos e aplicados de forma prática nas empresas. Neste sentido, a gestão da qualidade e os critérios de excelência dos prêmios nacionais da qualidade indicam um bom caminho de evolução em uma proposta de aprimoramento organizacional.
Na sua opinião, o que precisa mudar do ponto de vista da gestão da segurança nas empresas para prevenir estes grandes acidentes?
Recomendo que se utilize os modelos da Abordagem da Segurança Proativa para análise e desenvolvimento de planejamento da prevenção de acidentes maiores. O primeiro é chamado de Modelo da Abordagem Sociotécnica Estruturada. É baseado no princípio de focar no sistema em vez de focar no erro humano, ele analisa a interação entre fatores internos e externos de uma organização. Os fatores externos, também chamados de variáveis exógenas incluem normas, legislações, exigências econômicas, sociais e políticas, eventos da natureza e outras variáveis, que são externas à empresa. Os fatores internos ou variáveis endógenas são divididos em três áreas: organizacionais (ações da alta gestão que definem investimentos e procedimentos); humanos (ações de técnicos e gerentes que operam as atividades, considerando questões como fadiga e estresse) e tecnológicos (infraestrutura e equipamentos da empresa). A interação entre esses fatores internos e externos determina os resultados da organização, sejam eles positivos ou negativos. O segundo é o Modelo da Gestão Dinâmica do Risco que categoriza as atividades em três áreas principais. A área da normalidade que corresponde ao estado ideal de segurança em que a organização deve operar, inconformidades sem criticidade ocorrem, mas não levam a acidentes. Depois vem a área de perigo em que inconformidades críticas surgem, aumentando o risco de acidentes. Neste caso, a gestão da segurança deve agir proativamente, diagnosticando fatores internos e externos para que a empresa retorne à normalidade. E por fim a área de acidentes que é quando um evento negativo já aconteceu. A prioridade então é usar planos de emergência e mitigar os danos, além de analisar as causas (fatores endógenos e exógenos) para evitar a sua reincidência.
Seriam então dois modos distintos de se fazer a gestão do risco? Qual a diferença básica entre eles?
O Modelo da Gestão Dinâmica destaca que pressões como metas de lucro e aumento da carga de trabalho podem levar a organização ao perigo ou a acidentes. Já o Modelo da Visão da Segurança com Outras Áreas da Organização mostra que para aprimorar a gestão de uma organização é crucial entender como a gestão da segurança se relaciona com outras áreas, como projetos, operações, qualidade, meio ambiente, governança e saúde. Todas estas áreas, presentes nos níveis estratégico, tático e operacional, influenciam as decisões tomadas na empresa. As ações e omissões decorrentes dessas decisões afetam o sistema sociotécnico, podendo levar a resultados tanto positivos quanto negativos.
Em relação às mudanças climáticas, anunciadas já há algum tempo, vivenciamos, não só no Brasil, mas também em todo o mundo episódios cada vez mais frequentes de enchentes, vendavais, ciclones, incêndios, etc. Como se preparar tanto em nível de governo como também do ponto de vista das empresas? Sim, o caso das enchentes no Rio Grande do Sul em maio de 2024 é um exemplo claro desta mudança climática, há exemplos pelo mundo todo como o ocorrido em Valencia na Espanha em outubro de 2024. É necessário que as empresas e governos desenvolvam sistemas de alertas, antes de possíveis eventos extremos da natureza, e também planos de emergência para responder a estes eventos. É muito importante o planejamento em conjunto das empresas e dos órgãos do governo.
Você disponibiliza hoje, de modo gratuito, informações para profissionais que desejam aprender mais sobre a prevenção de acidentes maiores. Para encerrar: onde e o que está disponível?
Todo o material está disponibilizado na internet para livre acesso através do link https://linktr.ee/wrb. Nele é possível encontrar minha tese de doutorado, ebook de Prevenção de Acidentes Maiores através da metodologia Abordagem de Segurança Proativa, artigos e trabalhos técnicos sobre o tema, canal do YouTube Acidentes, Desastres e Tragédias; diferentes módulos para capacitação entre outros conteúdos. Os cursos são validados por profissionais seniores, plenos, juniores e estudantes, e são direcionados a estes perfis e abrangem todas as funções organizacionais de uma empresa.
Ref.: Revista Proteção, Saúde e Segurança do Trabalho (Digital): Antes da Tragédia – Prevenção de acidentes Ed. 405, p. 10, setembro/2025.