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Prioridades em Saúde e Segurança

Prioridades em Saúde e Segurança

Prioridades em Saúde e Segurança – Chefe do Departamento de SST/MTE quer entregar resultados visíveis na área reestruturando o modo de atuação da inspeção

Entrevista à jornalista Daniela Bossle

O engenheiro de Produção e de Segurança Henrique Mandagará de Souza, 35 anos, assumiu em abril a chefia do Departamento de Segurança e Saúde no Trabalho da SIT (Secretaria de Inspeção do Trabalho). Natural de Porto Alegre/RS, ele graduou-se em Engenharia de Produção pela UFRGS e recentemente concluiu a especialização em Segurança do Trabalho pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Seu contato com a SST iniciou ainda na faculdade no período em que foi bolsista de iniciação científica na área de Ergonomia.

Antes de assumir o DSST e mudar-se para Brasília/DF, o Auditor Fiscal do Trabalho exerceu a chefia da SEGUR/SRTE-RS, foi chefe substituto na GRTb/Santo Ângelo-RS e Auditor Fiscal do Trabalho na SRTE-AM, em Manaus, onde iniciou sua carreira no Ministério do Trabalho em 2014.

Com a intenção de fazer a diferença à frente do Departamento, Henrique planeja reestruturar o modo de atuação da inspeção de forma que os empregadores consigam ser acompanhados na sua evolução em SST pelos auditores fiscais. Também pretende realizar uma adequada gestão do conhecimento adquirido aproveitando o saber de auditores em áreas específicas e disseminando seu conhecimento por toda a inspeção. Outra ação será incentivar fiscalizações em equipes especializadas de diferentes estados para trocas de conhecimentos e uniformidade de atuação.

Em sua trajetória como auditor fiscal do trabalho na SRTE/RS você viveu alguma experiência que considera marcante? Pode nos contar? Enquanto Auditor-Fiscal do Trabalho em Santo Ângelo/RS, duas análises de acidentes de trabalho fatais que envolveram dois jovens de dezoito anos me marcaram. O primeiro faleceu vítima de choque elétrico em máquina de lava-jato durante a lavagem de uma granja de porcos. O segundo, também vítima de choque elétrico em máquina betoneira utilizada em obra de construção civil. Em comum entre os dois, o fato de serem vizinhos de algum dos trabalhadores que já trabalhava no local, levados de forma improvisada para “ajudar” em um dia de trabalho, em locais sem condições mínimas de segurança. Me marcaram pela pouca idade dos jovens e pelo sentimento do quanto a sociedade precisa entender que o respeito às normas de Segurança e Saúde do Trabalho pode evitar tragédias como essas. Me marcaram também por imaginar quantos outros infortúnios semelhantes ocorreram sem que sequer tomássemos conhecimento. Enquanto chefe de fiscalização na SE-GUR/RS, também continuei atuando como Auditor-Fiscal do Trabalho, especialmente em ações do Grupo Especial de Fiscalização Móvel para Erradicação do Trabalho Análogo ao de Escravo. Nessas fiscalizações, foram poucas as vezes nas quais não me emocionei pelas situações encontradas e por ver a satisfação de um trabalhador que teve a dignidade restabelecida. Em uma dessas operações, no Estado do Espírito Santo, não houve resgate em determinada fazenda, entretanto interditamos todo um galpão de secagem de grãos, que possuía uma série de riscos em interação: máquinas desprotegidas, ausência de gestão de riscos em espaços confinados, risco de queda em altura, riscos elétricos, etc. Nesse galpão havia um jovem de 16 anos – laborando em atividade proibida, frise-se – que perdera a mão na cremalheira de um secador de pimenta, no dia 31 de dezembro do ano anterior. Conseguimos contatar a família da vítima e os orientamos sobre como obter o Termo de Interdição, que detalhava todos os riscos que estavam presentes no local. Mais do que a possibilidade de uma reparação pecuniária pela perda (que nunca será suficiente), julgo importante o nosso trabalho nas análises de acidentes de trabalho e interdições, para levar paz às vítimas e às famílias, para que entendam como a dinâmica da organização propiciou aquele evento, e não julguem que são as próprias vítimas as culpadas pelo ocorrido.

Você atuou como AFT e também como chefe da SEGUR na SRTE/RS. Qual sua percepção sobre o nível de maturidade das empresas hoje em relação à Saúde e Segurança do Trabalho? No Rio Grande do Sul tive a oportunidade de ver bem as diferenças de maturidade em SST entre empresas e, sobretudo, entre capital e interior. Claramente, o nível de maturidade em SST das empresas no interior é menor e, inclusive, a disponibilidade de profissionais capacitados para dar consultoria para essas empresas também é menor. Por outro lado, na região da capital, há muitas disparidades: enquanto há empresas com um bom padrão de segurança, que passam a evoluir em sistemas de controle na exposição a carcinogênicos, por exemplo, há outras extremamente reativas à fiscalização, nas quais ainda se debate as proteções mais primárias em transmissões de força em máquinas ou exigência de proteções coletivas de periferia em obras de construção civil. De qualquer modo, o Rio Grande do Sul – como as demais Unidades da Federação – possui uma escassez de Auditores-Fiscais do Trabalho atuando com SST e, nos municípios e setores onde conseguíamos alcançar menos, a tendência era de encontrar situações ruins quando retornávamos. Diante disso, acho que há um longo caminho a trilhar na maturidade em SST, para evoluirmos da reação à fiscalização, para cumprimento à legislação e, depois, para um estágio além do mínimo requerido pela legislação.

No caso da implementação das novas exigências normativas como o PGR e os eventos de SST no âmbito do eSocial, como você percebe este momento nas empresas e especialmente pelos profissionais de SST? Há entendimento sobre o que está sendo exigido? Uma preocupação da Inspeção do Trabalho quando da entrada em vigor do PGR era que víssemos repetidos alguns erros cometidos pelos profissionais no PPRA: documentos “pró-forma”, com “prazo de validade” e que não contivesse a natureza de um programa que buscasse e demonstrasse a evolução do estabelecimento em relação à SST. Infelizmente, passado este primeiro período do PGR em vigor, me parece que não conseguimos evoluir muito nesses aspectos e, em alguns pontos, houve piora. O PGR teve o mérito de fazer com que o empregador passasse a formalizar todos os riscos do ambiente de trabalho, e precisasse justificar a priorização das medidas adotadas. Ocorre que, enquanto acompanhei como chefe de fiscalização, o que vimos foram alguns PGRs também sem natureza de programa, com “prazo de validade” e nem sempre espelhando a realidade daquele estabelecimento específico. A piora a que me refiro foram nos critérios adotados para estimativa de nível de risco e priorização: adoção de metodologias sem base científica e riscos subestimados frequentemente. Então, torço e acredito que os profissionais de SST estão entendendo o momento como uma valorização do papel deles, de como o cuidado e o trabalho cada vez mais qualificado deles será fundamental para as empresas

e trabalhadores. Em relação aos eventos de SST do eSocial, infelizmente, por uma decisão ocorrida no Governo anterior, eles são quase que em sua totalidade para atender a fins previdenciários. Uma das metas das Secretarias do MTE e do Departamento é recolocar essa discussão e colocar dados relevantes de SST no eSocial. Mais uma vez, será importante que o profissional de SST entenda a importância e a responsabilidade que terá neste processo, e como isso irá ajudar na melhora do patamar de SST para todos.

A Saúde e Segurança do Trabalho já teve o status de Secretaria, depois passou a ser um Departamento e até o ano passado estava reduzida a uma Coordenação. Recentemente voltou a ter status de Departamento. Na prática o que esta mudança traz de novo? Quais são as atribuições do DSST? O retorno da Secretaria de Inspeção do Trabalho à categoria de Secretaria era fundamental, devido ao status que essa importante política pública merece. Entretanto, com o cenário de reconstrução do MTE, ainda não foi possível recriar toda a estrutura que a Secretaria e o Departamento deveriam ter. De qualquer forma essa mudança oportuniza que a área de SST esteja próxima da cúpula do Ministério e consiga ter espaços de interlocução direta com Ministro e Secretário-Executivo através do Secretário de Inspeção. O Departamento possui duas Coordenações-Gerais: Normatização e Registros (CGNOR) e Fiscalização (CGSST). Os desafios são enormes nas duas áreas e é necessário ter profissionais qualificados trabalhando nelas. Na CGNOR, as normatizações de SST são debatidas e esclarecidas, em especial as Normas Regulamentadoras, e é lá onde são analisados os pedidos de CAs (Certificado de Aprovação) dos EPIs. A CGSST tem a missão de planejar e supervisionar toda a Inspeção de SST nas Regionais, atenta a todas as atividades de fiscaliza-ção, inclusive do trabalho portuário, e às análises de acidentes de trabalho.

Qual será sua prioridade à frente do Departamento de Saúde e Segurança do Trabalho e como pretende colocá-la em prática? Minha prioridade à frente do DSST é fazer com que a Inspeção consiga entregar resultados visíveis para a sociedade, com a qualidade que ela é capaz de entregar. Nos últimos anos, devido à redução no número de Auditores-Fiscais do Trabalho, em especial os que atuavam na área de SST, houve cada vez menos probabilidade de um trabalhador ou empregador ser visitado por um Auditor e, quando isso aconteceu, o colega estava envolvido em tantas demandas que nem sempre pôde se aprofundar nas questões de SST como seria o recomendável. Assim, quero reestruturar o modo de atuação da Inspeção de forma que os empregadores consigam ser acompanhados na sua evolução em SST provocada pela ação fiscal, de forma que se produzam boas práticas e elas sejam espalhadas pelos respectivos segmentos. Para tanto, estamos trabalhando em mudanças na forma de aferição das metas institucionais na área de SST no âmbito do PPA (Plano Plurianual), objetivando que a redução dos riscos nos ambientes de trabalho seja perseguida. Em outra frente, também queremos fazer uma adequada gestão do conhecimento adquirido ao longo da carreira por colegas de notório saber nas respectivas áreas de atuação, espalhando e formalizando este conhecimento por toda a Inspeção. Também queremos incentivar fiscalizações em equipes especializadas de diferentes Unidades Federativas para trocas de conhecimentos e uniformidade de atuação por todo o Brasil. Outro eixo na melhoria das condições de SST está na comunicação, tanto a realização das campanhas de conscientização, a exemplo da CANPAT – que a cada ano ganha maior audiência – como a comunicação das ações de fiscalização de maior interesse da sociedade, para que o assunto SST passe a ser mais familiar para a sociedade em geral.

*Estamos chegando ao final do primeiro semestre e nenhuma reunião da CTPP aconteceu. Serão retomadas? Quando e quais principais pontos serão discutidos? A primeira reunião da CTPP deste ano ocorrerá agora nos dias 20 e 21 de junho, em Brasília/DF, com abertura feita pelo Ministro do Trabalho e Emprego. A data levou em consideração a agenda do Ministro e também se evitou o período da 111ª Conferência Internacional do Trabalho, na qual diversos membros das três bancadas estiveram envolvidos.

O processo de normatização está sendo analisado de forma cautelosa e fizemos uma detida análise do que foi realizado nos últimos anos bem como da agenda regulatória previamente acordada. Ainda, a bancada de Governo foi modificada substancialmente e cada bancada passará a contar com mais um membro a partir de agora. A agenda regulatória proposta pelo Governo contemplará ajustes pontuais nas revisões normativas realizadas recentemente, mas também finalização de discussões já iniciadas anteriormente, como NRs 10, 22 e normatização de Químicos, e novas necessidades de normatização identificadas pelas bancadas.

*Em relação à Fiscalização do Trabalho sabe-se que há muito menos AFTs do que se precisaria para dar conta do universo de empresas. Como lidar com este problema? Há projetos prioritários? A fiscalização precisa ser estratégica, independentemente do número de AFTs disponíveis. Entretanto, é importante salientar que o número atual é crítico, fazendo com que a atuação em projetos prioritários fique bastante prejudicada. De qualquer forma, a estratégia passa por aumentar a presença fiscal através de fiscalizações de maior repercussão, mixando com fiscalizações de menor complexidade que consigam movimentar os investimentos em SST nos respectivos segmentos econômicos. Além da identificação das irregularidades, a redução dos riscos nos ambientes fiscalizados será perseguida em toda ação fiscal. Em relação aos projetos, com o quadro atual de AFTs, não há possibilidade

de existirem todos em todas as unidades federativas, mas a intenção é permitir às regionais que selecionem aqueles mais estratégicos de acordo com a realidade local. Por último, queremos evoluir em malhas fiscais, que incentivem a regularização dos ambientes de trabalho sem a necessidade de iniciar fiscalização.

Há segmentos que devem receber maior atenção? Há algum critério para atuação da fiscalização em saúde e segurança ou a orientação é agir sob demanda, conforme as maiores urgências, nos casos de acidentes mais graves? Todos os segmentos requerem atenção, respeitando as respectivas particularidades. Como sempre ocorreu, a orientação é agir de forma planejada, estratégica, e não sob demanda. A atuação sob demanda resolve casos pontuais, mas não entrega mudanças de realidade nos setores. As ferramentas de diagnóstico da Inspeção melhoraram significativamente nos últimos anos e hoje temos modelos de predição de acidentes e estamos evoluindo na mesma linha em doenças do trabalho. Então, além de segmentos que acidentam muito, não poderemos descuidar dos segmentos que adoecem muito (e que, por vezes, não aparecem com exatidão nas estatísticas oficiais) nem daqueles nos quais podem ocorrer acidentes ampliados.

Algum outro aspecto que você acha importante reforçar?
Assim como ocorreu com o tema do Trabalho Análogo ao de Escravo nos últimos anos, a sociedade precisa ter a consciência e não aceitar com naturalidade trabalhos em condições precárias de SST. A Inspeção do Trabalho é uma parte importante no processo, mas a redução de acidentes e doenças do trabalho precisa ser um compromisso da sociedade. Então, é fundamental que todo o público prevencionista esteja engajado em mostrar para todos a relevância do trabalho que realiza e mostrar o que o dinheiro despendido em prevenção é: investimento e não custo. Investimento numa sociedade mais justa, num produto socialmente responsável e na imagem do Brasil em nível global.

*Nota: A entrevista foi realizada antes do anúncio do Governo sobre a reunião da CTPP e a realização de concurso para Auditores Fiscais do Trabalho.

Ref.: Revista Proteção, Saúde e Segurança do Trabalho (Digital): Prioridades em Saúde e Segurança Editora Proteção Publicações. Ed. 379, p. 10, julho/2023.

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