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Covid-19 é doença do trabalho?

Prevencionistas abordam diferentes pontos de vista a respeito do assunto

Embora, por ser recente, ainda não esteja oficialmente caracterizada na legislação previdenciária brasileira como doença decorrente do trabalho, a Covid-19 já vem gerando opiniões divergentes e abrindo margem para interpretações jurídicas diversas. Na visão de alguns prevencionistas, o nexo causal é presumido para os trabalhadores das atividades consideradas essenciais, como na área da saúde e em frigoríficos por exemplo. Para outros especialistas, pelo caráter pandêmico do novo coronavírus, de ampla e fácil disseminação, independentemente da profissão do trabalhador, fica difícil a comprovação do momento exato da contaminação e de que foi resultante de uma exposição no ambiente laboral.

A polêmica ganhou destaque também com a publicação, em março deste ano, da Medida Provisória 927 do Governo Federal, que tratava de medidas trabalhistas excepcionais para enfrentamento do estado de calamidade pública e da emergência de saúde pública decorrente da pandemia. O artigo 29 da MP, que não considerava a Covid-19 doença ocupacional exceto mediante comprovação do nexo causal, teve sua eficácia suspensa pelo Supremo Tribunal Federal em abril com a alegação de que prejudicava trabalhadores de atividades essenciais expostos ao risco.

O engenheiro de Segurança do Trabalho e consultor de empresas Antônio Carlos Vendrame, perito em insalubridade e periculosidade da Justiça do Trabalho, explica que, em sua rejeição ao artigo 29 da MP, o STF não estabeleceu a desnecessidade de comprovação do nexo, mas retornou ao status anterior, ou seja, ao previsto na legislação previdenciária em vigor sobre o assunto. Complementa que também com a caducidade da referida Medida Provisória, que perdeu a validade em julho, permanecem valendo esses preceitos legais previdenciários já existentes. Avalia, no entanto, que a decisão do STF de excluir tal artigo da MP aguçou a tendência do Judiciário de aplicar a responsabilidade objetiva (o dever de indenizar se dará independentemente da comprovação de dolo ou culpa, bastando que fique configurado o nexo causal).

OPINIÕES
Para o médico do Trabalho Marcos Henrique Mendanha, especialista em Medicina Legal e Perícias Médicas, advogado especialista em Direito e Processo do Trabalho, a Covid-19 não é uma doença ocupacional, nem mesmo para profissionais da saúde. Ele faz menção ao § 1º do artigo 20 da Lei nº 8.213/1991 (Planos de Benefícios da Previdência Social), que não considera a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho. “Baseio-me na literalidade da própria lei. E, hoje, diante do caráter pandêmico e democrático do novo coronavírus e também de todos os dados científicos levantados até o momento, essa comprovação (a lei não fala em suposição), me parece impossível”, afirma.

Já o médico do Trabalho Mario Bonciani, ex-diretor do DSST (Departamento de Segurança e Saúde no Trabalho) do Ministério do Trabalho e consultor em Segurança e Saúde do Trabalho, observa que, quando não há uma evidência epidemiológica, é difícil caracterizar a relação entre causa e efeito. Por sua vez, quando há a evidência epidemiológica, ela dificulta a descaracterização do nexo técnico. Para ele, portanto, o assunto já está definido tanto técnica quanto juridicamente. “Existe uma relação epidemiologicamente consistente entre a Covid-19 e as atividades produtivas consideradas essenciais, em que há grande incidência de contaminações de trabalhadores, como saúde (mundialmente demonstrado) e frigoríficos (nacionalmente demonstrado). De forma que fica caracterizado, a princípio, o nexo por natureza epidemiológica, mesmo não estando ainda formalmente caracterizada na legislação do NTP (Nexo Técnico Previdenciário) como doença decorrente do trabalho”, afirma.

CONCEITOS
NTP é o nome dado ao nexo estabelecido entre a doença e o trabalho no âmbito da Previdência Social, caracterizando um benefício por incapacidade como de natureza acidentária. São três tipos: nexo técnico profissional ou do trabalho, fundamentado nas associações entre doenças e exposições constantes das listas AeB do Anexo II do Decreto nº 3.048/1999 (Regulamento da Previdência Social); nexo técnico por doença equiparada a acidente de trabalho ou nexo técnico individual, decorrente de acidentes de trabalho típicos ou de trajeto, bem como de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele relacionado diretamente, nos termos do § 2º do artigo 20 da Lei nº 8.213/1991; e o nexo técnico epidemiológico previdenciário ou NTEP, aplicável quando houver significância estatística da associação entre o código da CID (Classificação Internacional de Doenças) e o da CNAE (Classificação Nacional de Atividade Econômica), fundamentado na lista C do Anexo II do Decreto nº 3.048/1999.

Vendrame explica que, no caso do NTEP, o nexo é presumido e cabe à empresa provar sua inexistência. Nesse caso, não é necessária a emissão de CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho). Complementa que, nos casos de nexo do trabalho ou nexo individual, tais análises são feitas a partir de um afastamento superior a 15 dias, independentemente de emissão de CAT. Assim, caso a empresa afaste o segurado por 14 dias e não emita CAT, tal questão não chegará ao conhecimento da Previdência Social, vez que a empresa está arcando com os dias de afastamento.

Observa que, normalmente, os casos de Covid-19 pressupõem afastamento de 14 dias, os quais são arcados pela empresa, sem qualquer comunicação à Previdência Social. “A CAT deveria ser emitida se a empresa considerar que o contágio teve relação com o trabalho, ou seja, que o contágio se deu por força da execução das atividades profissionais do paciente. No caso dos profissionais da saúde, tal ligação é muito fácil de estabelecer; no entanto, para os demais trabalhadores (serviços não essenciais), será necessária uma análise mais profunda e, em alguns casos, será impossível afirmar qual foi a fonte de infecção do segurado”, avalia.

Bonciani entende que o médico do Trabalho não é o profissional mais indicado para fazer o diagnóstico do nexo causal pela empresa, mas, sim, um profissional da perícia médica, especialidade que tem peculiaridades técnicas e éticas que contraindicam seu exercício para profissionais que fazem o atendimento direto de trabalhadores/ pacientes. “O nexo técnico trabalhista, de causa e efeito com trabalho, é uma atividade fundamentalmente pericial”, ressalta. Aconselha, portanto, que a empresa contrate um profissional da área, ou encaminhe a questão a uma instituição pública, como o Cerest, ou, então, que tal diagnóstico seja feito em conjunto com um técnico do movimento sindical representante do trabalhador.

DIREITOS E DEVERES
Vendrame explica que, somente no caso de desdobramentos da doença, com efeitos danosos, é que a CAT asseguraria algum direito ao trabalhador contaminado pelo novo coronavírus. Comenta, no entanto, que, ainda que não haja fatalidade ou sequelas da doença, muito se tem falado sobre o dano moral pelo fato do trabalhador contrair a patologia como resultado do trabalho. Acrescenta que também a contaminação no trajeto, com o uso do transporte público, pode vir a ser considerada acidente de trabalho. “Fica implícita, ainda, a promessa de que as empresas serão responsabilizadas pelo trabalho remoto caso não demonstrem ações para evitar o contágio”, comenta.

Nesse cenário, orienta que os empregadores sejam zelosos e proativos no sentido da implementação e documentação de ações que efetivamente impeçam o contágio no ambiente laboral. E lembra que já existe extensa legislação que disciplina as ações das empresas no sentido da prevenção da transmissão da Covid-19, a exemplo da Portaria nº 1.565/2020 do Ministério da Saúde e da Portaria Conjunta nº 20/2020 do Ministério da Economia/Secretaria Especial de Previdência e Saúde.

Ref.: Revista Proteção, Saúde e Segurança do Trabalho (Digital): Covid-19 é doença do trabalho?. Editora Proteção Publicações. Ed. 345, p. 24, setembro/2020.

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