Reconstrução urgente
Novo presidente da Fundacentro fala das ações da entidade em meio aos desafios estruturais
Entrevista à jornalista Daniela Bossle
O advogado, com pós-graduação em Políticas Públicas pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, José Cloves da Silva, assumiu a presidência da Fundacentro (Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho) em julho deste ano.
Silva dedicou boa parte da sua vida profissional à área pública. Foi professor do governo estadual de São Paulo, entre 1993 e 1998, e atuou como assessor parlamentar, tanto na Câmara Municipal de São Bernardo do Campo/SP, entre 2001 e 2003 e em 2021, quanto na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, entre 2003 e 2008 e entre 2017 e 2021.
Também possui experiência em Administração Pública tendo atuado como secretário municipal de Obras e Serviços Urbanos de São Bernardo do Campo, cidade que também o elegeu vereador, cargo ocupado até 2016.
Na entrevista ele destaca o papel da entidade no campo da pesquisa em SST, de difusão do trabalho realizado e também de acompanhamento das mudanças que acontecem no mundo do trabalho e que têm impacto na saúde dos trabalhadores. Por outro lado, reconhece que a estrutura atual é pequena para a missão que deveria cumprir. Ele menciona o pedido de concurso público ao Governo Federal e a mobilização de servidores e instituições públicas no último mês de agosto em prol da sobrevivência da entidade.
O senhor assumiu a presidência da Fundacentro em junho, mas já estava na entidade desde o ano passado como gerente de projetos. Que avaliação faz da importância da entidade hoje e quais seus principais desafios no começo desta gestão? A Fundacentro continua sendo a maior instituição brasileira a debater o tema SST (Segurança e Saúde no Trabalho) e isso traz consigo uma enorme responsabilidade de estarmos sempre atualizados, quer seja na área de pesquisas quanto na de difusão do conhecimento. O mundo do trabalho passa por diversas transformações e temos que estar atentos a essas mudanças, olhando para os impactos à saúde dos trabalhadores e das trabalhadoras. Outra questão desafiadora é a relação entre a saúde mental e o trabalho, que também tem sido foco de nossos estudos. Temos inclusive, na Fundacentro, um Grupo de Trabalho de Saúde Mental.
Em termos de estrutura, quantidade de pesquisadores e orçamento, tanto na sede em São Paulo, quanto nos escritórios dos demais estados, qual a situação atual? A ideia do último gestor Pedro Tourinho era recuperar os escritórios regionais para que voltassem a produzir mais e interagir mais com as comunidades locais. Houve alguma evolução neste sentido? A estrutura hoje é pequena para a realização da nossa missão que é reconstruir uma entidade com capacidade de produzir e difundir conhecimento Brasil a fora. Atualmente, há apenas 143 servidores efetivos da Fundacentro em exercício na entidade. Temos um pedido de concurso público, que está, nesse momento, sendo discutido no governo. Inclusive a solicitação é respaldada por várias entidades de trabalhadores e empregadores, instituições públicas e universidades, que discutem a questão da SST e reconhecem a importância de nossa instituição. Os servidores também têm se mobilizado porque sabem da real necessidade de concurso e o quanto é importante termos mais pessoas em nosso quadro para atendermos as demandas da sociedade. Apesar dessas limitações, a evolução passou a ser cotidiana, buscamos sempre a interação e a integração com a população e as diversas instâncias da sociedade. O debate com quem discute o tema SST é mais fácil, no sentido da praticidade das pautas afins, mas o pensamento do novo governo é que devemos, nos nossos meios de trabalho, buscar sempre o diálogo social. Por isso, temos buscado receber diferentes instituições e estabelecer parcerias. Queremos uma Fundacentro forte, com mais servidores e servidoras e com estrutura para a realização de nossa missão. E só poderemos construir esse caminho unidos e com nossos laços de solidariedade fortalecidos.
Quais são os projetos atuais da entidade que o senhor considera mais importantes? Nessa busca de fortalecermos a nossa entidade foram feitas várias parcerias, tanto com outros órgãos públicos, quanto com instituições sindicais. Cito, por exemplo, as parcerias com os Ministérios do Trabalho e Emprego, via Secretaria Nacional de Economia Popular e Solidária; Ministério das Mulheres, via Secretaria Nacional de Enfrentamento à Violência contra Mulheres; Ministérios dos Direitos Humanos e Cidadania, via Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+; Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovação, via CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico); OIT (Organização Internacional do Trabalho); Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares – Ebserh. Vamos dar continuidade a esse trabalho para que cada vez mais a Fundacentro alcance parcelas mais amplas da sociedade. Atualmente a Fundacentro tem 12 programas de pesquisa e extensão prioritários, que dão ideia dos projetos que estão sendo realizados: Intersetorialidade e combate à ocultação
do adoecimento ocupacional no Brasil; Economia Solidária para a geração de trabalho decente e proteção da saúde do trabalhador e da trabalhadora; Segurança e saúde dos trabalhadores e trabalhadoras da agricultura familiar; Segurança e saúde dos educadores e educadoras; Mudanças climáticas e segurança e saúde no trabalho; Trabalho e relações trabalhistas mediadas por tecnologias digitais; Saúde mental dos trabalhadores e trabalhadoras; Riscos químicos, biológicos, físicos e tecnologias emergentes; Gestão de riscos em micro e pequenas empresas; Organização do trabalho, gestão e saúde dos trabalhadores e trabalhadoras; Segurança e saúde das trabalhadoras; e Segurança e saúde dos trabalhadores e trabalhadoras da indústria da construção.
No mês de julho o senhor esteve presente na reunião do G20 acompanhando as discussões sobre mudanças climáticas e suas reflexões para os trabalhadores. Esta pauta vem ganhando cada vez mais visibilidade e discussões. Qual a importância do tema e de que forma a Fundacentro pode se engajar nesta questão? A última etapa do G20 Brasil, do Grupo de Trabalho sobre o Emprego, liderado pelo Ministério do Trabalho, ocorreu de 23 a 26 de julho em Fortaleza/ CE. Também contou com ação paralela importante – a reunião anual da Rede OSH (Occupational Safety and Health) – para debater os impactos do calor extremo na saúde pública e ocupacional, na produtividade e na vida dos trabalhadores em 22 de julho, com a participação da Fundacentro. Na reunião do G20, participaram 50 delegações de 27 países – entre membros e convidados. Entre as instituições brasileiras, a Fundacentro se fez presente e apresentou o
trabalho sobre mudanças climáticas e os efeitos nos trabalhadores e trabalhadoras. O tecnologista Daniel Bitencourt foi o representante da instituição na apresentação deste importante tema. Para enfrentar essa realidade, a Fundacentro desenvolveu um sistema de avaliação de exposição ocupacional ao calor – o Monitor IBUTG. O objetivo é fornecer informações para minimizar os efeitos do calor e ter um trabalho seguro e saudável. Ele estima o IBUTG (Índice de Bulbo Úmido – Termômetro de Globo), a partir da observação meteorológica do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia) e da previsão do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), e a taxa metabólica, a partir de informações do usuário. O sistema está disponível por meio de aplicativo e na versão web, disponível em nosso portal. O App envia notificações de alerta para que seja feito um planejamento do trabalho, levando em conta recomendações de medidas preventivas e corretivas.
A Fundacentro produz conhecimento em Segurança e Saúde no Trabalho por meio de suas pesquisas. Como fazer estas pesquisas chegarem na ponta, nas empresas e nos trabalhadores? A Fundacentro tem um programa de difusão do conhecimento através da sua Diretoria de Conhecimento e Tecnologia que engloba várias plataformas. O conhecimento produzido por nossos pesquisadores é transposto para livros, panfletos, palestras e cursos de formação que viabilizamos através de meios digitais, presenciais e a distância. A nossa Biblioteca Virtual, no portal gov.br/ Fundacentro, e o aplicativo SST Fácil, disponível para celulares Android e iOS, são formas de levar esse conhecimento à sociedade. Além disso temos cursos e palestras presenciais e a distância através do YouTube, da plataforma Moodle e da Escola Virtual de Governo (EVG). Em 2023, realizamos 10 novos cursos, com 789 emissões de certificados, e 19 eventos, com 2.087 certificados. Destacamos o Curso Básico de Segurança e Saúde no Trabalho, dividido em cinco módulos. Emitimos outros 27.939 certificados para outros 10 cursos exclusivamente oferecidos on-line na Plataforma EVG. No primeiro semestre de 2024, emitimos 20.621 certificados pela EVG e 2.410 nos cursos realizados na Fundacentro. Realizamos novos cursos como “Combate ao assédio moral e sexual nos ambientes de trabalho”, no mês de maio, e “Agrotóxicos, saúde e meio ambiente”, em agosto. Tivemos um Dia Internacional em Memória das Vítimas de Acidentes e Doenças relacionadas ao Trabalho memorável. A Fundacentro e mais de 40 instituições realizaram o Ato e canto pela vida na Praça Vladimir Herzog em São Paulo/SP. Ocupamos o espaço público para chamar atenção da sociedade para a ocorrência de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho. Isso diz muito sobre o caminho que temos buscado seguir: andar junto com os parceiros e alcançar cada vez mais pessoas. Todas as nossas iniciativas de difusão convidam trabalhadores, empregadores e seus representantes a participarem e sugerirem temas relevantes para futuras pesquisas e capacitações. Por fim, destaco a Revista Brasileira de Saúde Ocupacional que completou 50 anos em 2023. Além de disponibilizar artigos na página SciELO, a Revista tem organizado diversos eventos para debater a Saúde do Trabalhador a partir da prática científica.
Qual sua percepção sobre o atual panorama acidentário brasileiro? Onde estão os maiores problemas? Segundo dados do Anuário Estatístico de Acidentes de Trabalho, cerca de 16 mil pessoas morreram no Brasil em acidentes do trabalho de 2016 a 2022. Isso dá, em média, um avião caindo e matando todos os seus passageiros todos os meses. Ou seja, uma situação ainda gravíssima. Esses números não consideram trabalhadores informais. Se considerados os acidentes de trabalhadores por aplicativo, por entrega com motocicleta, por exemplo, esses números podem se tornar ainda maiores. O problema maior está na organização do trabalho. Como trabalhos não regulamentados, jornadas de trabalho intensas, falta de regulação e fiscalização das condições de trabalho.
De que forma a Fundacentro pode contribuir para minimizar a problemática dos acidentes e doenças do trabalho no país? A Fundacentro é responsável por pesquisa sobre as causas de acidentes e adoecimentos no trabalho. É fundamental ter conhecimento, de base científica, para contribuir com as decisões sobre a
redução de acidentes ou adoecimentos. Além de produzir esse conhecimento, a Fundacentro também contribui com a sua difusão, seja por meio de cursos, eventos e de seus programas de pesquisa. Acreditamos que levar essas informações à sociedade é fundamental. Temos nos esforçando para que esse conhecimento seja multiplicado. Esse espaço na Revista Proteção é importante, convidamos os leitores a nos seguirem nas redes sociais, onde buscamos compartilhar nossos conteúdos. Estamos presentes no Instagram, Facebook, X e YouTube.
Gostaria de comentar ou acrescentar algo que eu não tenha lhe perguntado? Só gostaria de agradecer à Revista Proteção pela oportunidade de falarmos sobre a Fundacentro e do que estamos fazendo para reconstruir a entidade, que foi duramente castigada, a partir de 2016. Sabemos que há muito a fazer, precisamos transformar as relações de trabalho, gerar mudanças na forma como o trabalho é organizado e fazer com que o trabalho seja fonte de vida e não de morte ou adoecimento.
Ref.: Revista Proteção, Saúde e Segurança do Trabalho (Digital): Reconstrução urgente Ed. 393, p. 10, setembro/2024.