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Proteção a qualquer custo

2000

Entrevista à jornalista Daniela Bossle

 Com uma significativa caminhada como engenheiro de Segurança do Trabalho, que já se estende por 36 anos, o pernambucano Fabrício de Medeiros Dourado Varejão, 61 anos, teve a oportunidade de conhecer inúmeras empresas de diversos portes e ligadas a segmentos de atividades variadas como siderurgia, telecomunicações, indústria naval, construção civil, entre outros. Em sua trajetória ocupou cargos técnicos e gerenciais, e já há algum tempo vem atuando como consultor (inicialmente no Sebrae e Sesi e hoje por conta própria), perito judicial e professor de Segurança, Saúde e Higiene do Trabalho em diversas universidades em seu estado.

Na entrevista, Varejão, que esteve à frente de sistemas de gestão nas empresas onde trabalhou, opina sobre diferentes assuntos que permeiam o atual cenário da SST como a implantação do GRO/PGR, a importância de uma análise de riscos bem feita, o atual processo de revisão de NRs, o eSocial – dizendo, inclusive, não acreditar que o novo sistema possa incentivar a prevenção – entre outros assuntos.

Graduado no início da década de 80 em Engenharia Civil, ele também cursou pós-graduações em Consultoria Empresarial, Engenharia de Segurança do Trabalho, Engenharia de Produção, Política e Estratégia e mestrado em Engenharia Mecânica. Atualmente é professor no IFPE (Instituto Federal de Educação Técnica e Tecnológica de Pernambuco), além de palestrante convidado por diversas outras instituições de ensino.

Sua vivência na área de Segurança do Trabalho lhe permitiu atuar tanto na formação de futuros engenheiros de segurança como também junto ao mercado de trabalho como profissional nas empresas ou mesmo como consultor. Em que estágio o senhor considera que as empresas estão em termos de Segurança do Trabalho? Em minha trajetória percebi uma estratificação bastante clara no que diz respeito ao comportamento das empresas brasileiras em relação ao tratamento dispensado à Segurança e Saúde do Trabalho. Desde aquelas empresas menores, formais e informais, com poucos empregados, nas quais a prevenção de acidentes não representa ainda um valor, ou por não conhecerem as suas obrigações legais e reponsabilidades sociais, ou mesmo conhecendo, mas preferindo, muitas vezes, apostar na impunidade e não cumprir a legislação em vigor acreditando que não vão sofrer penalidades, até aquelas empresas maiores, formais, com gestão profissionalizada que investem fortemente em equipes especializadas em Segurança e Saúde Ocupacionais, em treinamentos normativos e em sistemas de prevenção de acidentes de alta tecnologia. Nestas empresas se conhecem as consequências danosas que podem advir de um acidente do trabalho ou doença ocupacional e os seus dirigentes tratam o assunto com a devida importância. Em que pesem os esforços de muitos idealistas, infelizmente, as poucas empresas no país que tratam a Segurança do Trabalho como um valor inegociável são poucas, e pelos dados do Sebrae, as Micro, Pequenas e Médias Empresas representam em torno de 92 a 93% das empresas no Brasil, e são estas as que menos fazem o que precisaria ser feito, às barbas do governo. Muito ainda precisa evoluir e a mentalidade da grande maioria dos dirigentes de empresas no Brasil precisa mudar drasticamente e passar a entender que investir hoje em Segurança do Trabalho, muito mais que uma obrigação legal, trará muitos benefícios para o empregado, para a empresa e para o governo.

Um de seus assuntos favoritos é a análise ou avaliação de risco, uma etapa essencial para a prevenção dos acidentes de trabalho nas empresas. As empresas estão analisando e gerenciando seus riscos de modo adequado? Sem dúvida, a prevenção de acidentes apenas pode ser tratada com a devida precaução e com o aprofundamento que o tema exige quando tomamos como ponto de partida os riscos de qualquer sistema. É sempre oportuno lembrar que tudo parte do risco e para ele todas as medidas preventivas devem se voltar. O risco é a nomenclatura mais importante do estudo da prevenção de acidentes e precisa ser assim compreendido por todos que se dedicam ao tema. O risco na sua definição mais técnica é o resultado da combinação da probabilidade de ocorrer um evento danoso com a gravidade que poderá ser produzida por este evento acontecido. As empresas, como falei, têm configurações diferentes e tratam seus processos de gestão de formas bastante diferenciadas. Contudo, independente do tratamento gerencial e das políticas de cada empresa, quem não analisa os seus riscos utilizandose de metodologias adequadas, e não avalia estes mesmos riscos para poder conhecer a sua magnitude, sempre estará ao sabor do acaso, e isto não é prevenção de acidentes. As técnicas de análise e avaliação de riscos evoluíram bastante nestes últimos 30 anos e já se catalogam mais de 30 métodos cientificamente comprovados que permitem a aplicação de uma avaliação de riscos com elevadíssima confiabilidade em qualquer sistema. Em países mais avançados tecnologicamente que o Brasil as empresas aplicam automação e robótica em larga escala; esta alternativa é resultante de avaliações de riscos bem aplicadas que recomendaram estas medidas de controle que protegem o homem de forma mais efetiva no ambiente de labor. Por outro lado, é importante ressaltar que instituições de ensino técnico e tecnológico aqui no país difundem aos borbotões muitos destes conteúdos relacionados à análise e avaliação de riscos em cursos Técnicos de Segurança do Trabalho e cursos de pós-graduação em Engenharia de Segurança do Trabalho. Porém são ainda muito pouco assimilados e praticados pela maioria das empresas.

Tivemos em janeiro último a entrada em vigor da nova NR 1, a obrigatoriedade do GRO, e dentro dele, o PGR. O senhor considera difícil esta adequação que as empresas precisam fazer para implementar o GRO? Que dica daria para que as empresas e profissionais possam desenvolver um bom GRO e PGR? A bem da verdade, todos os especialistas em prevenção de acidentes deste país que acompanham a evolução das legislações aplicadas à prevenção de acidentes desde a Portaria 3.214, de 8 de junho de 1978, nunca dispuseram de uma Norma Regulamentadora voltada à Gestão de Riscos. Isto pelo simples fato dela não existir, pelo menos em texto único e consolidado. Utilizavam-se como alternativas as normas estrangeiras como a ISO 31.000, a OHSAS 18.001, e mais recentemente, a ISO 45.001. A nova NR 1 que trata sobre Disposições Gerais e GRO (Gerenciamento de Riscos Ocupacionais), em vigor desde 3 de janeiro de 2022, portanto recentíssima, estabeleceu um caminho inusitado: a filosofia de Gerenciamento de Riscos por um arcabouço técnico-conceitual e o PGR (Programa de Gerenciamento de Riscos), instrumento objetivamente prático a ser implantado em todas as empresas, no sentido de permitir inventariar os riscos e implantar um plano de ação dinâmico e eficaz em cada uma delas. Contudo, o gerenciamento da rotina é peça fundamental e para a gestão cumprir o seu papel é preciso percorrer disciplinarmente o Ciclo PDCA (Plan-Do-Check-Act) para cada atividade gerenciada. É mister que se diga: não existe varinha de condão ou coelho na cartola neste processo. A implantação do GRO/PGR necessitará de especialistas em prevenção de acidentes, respaldo da alta direção da empresa, planejamento adequado para implantação da norma, metodologia de gestão, recursos disponíveis, cronograma de implantação, treinamentos intensivos para capacitação das equipes, elaboração de projetos, monitoramento permanente da eficácia das ações e correções de rumos a qualquer tempo. Este é o segredo do sucesso.

A NR 12 é vista como uma das “pedras no sapato” de muitos profissionais que atuam com Segurança do Trabalho. A norma é complexa e, ao mesmo tempo, muito necessária, pois não há indústrias sem máquinas. O que os profissionais precisam aprender sobre NR 12 que ainda não aprenderam? A NR 12 trata de Segurança em Má-quinas e Equipamentos e como tal é uma norma regulamentadora bastante abrangente e relevante, sem esquecermos do fato de que em torno de 20% dos acidentes do trabalho registrados pelo AEAT (Anuário Estatístico de Acidentes do Trabalho) da Previdência Social estão relacionados direta ou indiretamente com Máquinas e Equipamentos. A NR 12 vigora desde 1978, mas a partir de 2010, ela começou a ser foco de amplo debate e passou por grande reestruturação. Mas, a partir de 2019, a nova versão da NR 12 a tornou mais condensada e exequível. Eu discordo literalmente que esta norma seja de compreensão inatingível. Aliás, por experiência como instrutor atesto ser possível capacitar exímios profissionais de Segurança do Trabalho para elaborarem diagnósticos para adequação de máquinas e equipamentos de qualquer tipo à NR 12 vigente, e em seguida estabelecer-se um plano de ação para promover esta adequação. Recomendo iniciar pelo planejamento de ações e cronograma para realização da implantação da NR 12 na empresa com aprovação da alta administração. Em seguida, realizar o levantamento criterioso das máquinas e equipamentos existentes na empresa (antigo Inventário de Máquinas e Equipamentos), a análise de riscos, a avaliação das categorias de riscos de todas máquinas e equipamentos e estabelecer o plano de ação para adequação. Existem aspectos como treinamento, documentações, preparação de instalações para operação da máquina ou equipamento, sistemas de proteção, sinalização, plano de manutenção, entre outros que necessitam de tratamento.

Todas as NRs estão sendo revisadas e atualizadas, processo que tem recebido elogios e críticas por parte da sociedade. Qual sua opinião sobre o momento em que nos encontramos em relação às normas regulamentadoras? As revisões em legislações de qualquer natureza fazem parte do contexto de mudanças que acontecem na sociedade, sejam de natureza tecnológica, econômica, social e até comportamental. As NRs não são exceções à regra. Muitas ficaram com o texto legal desatualizado em face das novas tecnologias de mercado, outras que por serem relevantes como regramento de cláusulas exigidas em acordos coletivos de trabalho, estavam incompletas e clamavam por atualização, outras precisavam de textos mais claros e objetivos. Porém no balanço geral existiram avanços úteis à sociedade. As normas regulamentadoras sempre foram e serão o esteio do dia a dia de qualquer profissional de Segurança e Saúde do Trabalho no Brasil. Existem aspectos que precisam avançar, tais como o pagamento do adicional de insalubridade, que é uma medida compensatória monetária injustificada a um trabalhador exposto a determinadas condições de riscos, quando o correto seria impedir a exposição deste trabalhador. A estabilidade de emprego conferida a cipeiros a meu ver é outra falha, perdeu a finalidade, pois outrora, conforme previa a CLT de 1943, servia de incentivo à participação de todos na prevenção de acidentes das empresas.

O eSocial foi outro projeto que demorou para começar a vigorar, mas acabou entrando também a partir de outubro do ano passado para empresas com maior faturamento e desde janeiro para um número ainda maior de empresas. Esta mudança no fornecimento de informações para o sistema digital traz mudanças concretas? Qual sua opinião sobre o novo processo do ponto de vista da Saúde e Segurança do Trabalho? Conforme se vem percebendo os governos volta e meia buscam implantar programas de desburocratização nos processos administrativos, promovendo mudanças no arcabouço legal trabalhista e previdenciário. Neste contexto, sugere-se o mais novo programa governamental: o eSocial. Ele foi projetado para todas as empresas, salvo pequeníssimas exceções, e ao contrário do que se apresenta, é nada mais que um big brother sobre as empresas, que através de um sistema digital e remoto de escrituração exige de todas uma parafernália de documentos, inclusive de SST. Não se pode acreditar que exigindo das empresas uma parafernália de deveres e lançamentos documentais, a prevenção de acidentes e doenças ocupacionais sofrerá uma redução em seus índices, bastante alarmantes. Muito pelo contrário. Este artefato elevou o mercantilismo de programas prevencionistas pró-forma, muitos elaborados por profissionais alheios à área prevencionista, vendidos a preços aviltantes e sem qualquer responsabilidade técnica. Acreditar que lançar informação em um sistema digital possa estimular a prevenção é um pouco de ‘eu finjo que faço e o governo finge que acredita!’

 Em sua trajetória como engenheiro de segurança o senhor atuou em empresas de diferentes segmentos como siderúrgica, setor portuário, refinaria de petróleo e também junto aos Sesi de Pernambuco prestando consultoria a empresas de diferentes portes e ramos. De acordo com sua experiência quais as maiores dificuldades ou carências no que se refere à Segurança do Trabalho? No que precisamos ainda evoluir para termos ambientes de trabalho menos perigosos e adoecedores? Quando nos dedicamos intensivamente em desempenhar as nossas profissões de forma exemplar passamos a desenvolver, inevitavelmente, um senso crítico mais agudo. Costumo dizer que a primeira e grande mudança nas empresas que almejam crescer e se posicionar bem no mercado mundial é a mudança de mentalidade dos seus dirigentes e a necessidade de manter foco nos seus objetivos. A prevenção de acidentes do trabalho no Brasil, em pleno século 21, ainda é percebida pela grande maioria dos dirigentes de empresas como ‘um custo desnecessário’. Mais grave é que muitos, mesmo após amargarem os danos decorrentes de um acidente do trabalho, ainda insistem em manter esta mentalidade errada. Sou categórico e para mim para que se possa sobreviver com prevenção de acidentes nas empresas no Brasil é preciso acreditar que a prevenção de acidentes é ciência e como tal produz resultado de valor relevante ao negócio a médio ou longo prazo. Necessário também saber que prevenção de acidentes é responsabilidade de todos, direito e dever de cidadania; que os dirigentes empresariais devem contratar profissionais especializados em SST e garantir suporte técnico-financeiro às demandas de todos os programas prevencionistas legais implantados. É preciso ainda priorizar treinamentos prevencionistas intensivos para todos os empregados da empresa e estabelecer uma política baseada na meritocracia destacando os que mais contribuem com a prevenção de acidentes na empresa.

Ref.: Revista Proteção, Saúde e Segurança do Trabalho (Digital): Proteção a qualquer custo Editora Proteção Publicações. Ed. 364, p. 10, abril/2022.

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