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Informações importantes ao setor de Segurança do Trabalho e Saúde Ocupacional.

Montanha de riscos

MONTANHA DE RISCOS

Explosão registrada em unidade de armazenamento de grãos no Paraná chamou a atenção para a segurança no setor, que também envolve outros perigos

Reportagem de Marla Cardoso

Era tarde de quarta-feira, 26 de julho, quando Francisca dos Santos, de 33 anos, funcionária de uma empresa terceirizada, trabalhava na limpeza de uma unidade de armazenamento de grãos da C.Vale, em Palotina, no Paraná. Natural do Piauí, a mãe de dois filhos, um de 12 anos e outro de 8, teve sua jornada interrompida naquele turno por uma explosão. Mesmo que o sinistro tenha ocorrido no subsolo, as chamas foram dissipadas através dos poços dos elevadores. Francisca trabalhava próximo a um deles, no térreo da planta. Foi atingida e teve 80% do corpo queimado. Foram 16 dias de internação até falecer, em 11 de agosto. Ela foi a décima vítima fatal desta tragédia, que deixou outros 10 trabalhadores feridos. Este fato, que pela sua proporção ocupou as manchetes nacionais, não é rotina em empresas de armazenamento de grãos e cereais. Embora incêndios e explosões

sejam um risco presente, provocados, por exemplo, pela poeira combustível de grãos e cereais, são outros perigos que rondam o setor praticamente todos os dias, como engolfamento, soterramento e queda de altura, deixando trabalhadores mortos e feridos. A estes, se somam ainda outros que envolvem o trabalho em espaços confinados. Alguns destes riscos, de acordo com especialistas em Saúde e Segurança do Trabalho, são exclusivos destas operações, não encontrados em nenhum outro ramo produtivo brasileiro. Talvez por isso, o segmento exige uma série de habilidades muito específicas para a manutenção da segurança dos trabalhadores. Nas próximas páginas, vamos entender quais são essas medidas preventivas e por quais motivos ainda é difícil colocá-las em prática, além de detalhar como acidentes envolvendo explosões, como o que vitimou Francisca e seus colegas, podem ser evitados.

No dia 26 de julho, assim que as primeiras notícias sobre a explosão na cooperativa C. Vale começaram a ser divulgadas, todos os olhares no país se voltaram para Palotina, cidade do oeste paranaense. Pelo impacto do sinistro, sentido em diversos pontos do município, e pelos estragos causados nas estruturas da unidade, temiase pela segurança dos trabalhadores. Não demorou para que as primeiras oito mortes fossem confirmadas e, para que, com apreensão, as equipes de resgate iniciassem os trabalhos de busca por um trabalhador desaparecido.

Cinco dias depois, o corpo do homem, de 55 anos, foi localizado soterrado. Ele estava em uma área subterrânea que, com a explosão, foi encoberta por 10 mil toneladas de grãos. Pelas condições de destruição do local, conforme o Corpo de Bombeiros do Paraná, a operação de resgate foi complexa. Inicialmente 11 trabalhadores ficaram feridos. A décima vítima fatal, como apontamos no começo desta reportagem, faleceu depois de 16 dias de internação.

O caso de Palotina acendeu um alerta aos prevencionistas para a segurança neste setor. Embora as ocorrências envolvendo explosões não sejam a principal causa de acidentes nas unidades de armazenamento de grãos, quando elas ocorrem, costumam ser

fatais. E este é um risco muito presente nestas operações. Isso porque, a poeira de uma gama de produções agrícolas, como farinha de trigo, milho, soja, cereais, entre outros, é combustível. A explosão pode ocorrer quando altas concentrações de partículas deste tipo de poeira se acumulam em espaços confinados, como nas unidades de armazenamento de grãos e cereais. Se dispersas, na presença de uma fonte de calor, podem inflamar e explodir.

“E há tanto o risco de incêndio, quando o pó fica acumulado sobre uma superfície quente, como de explosão, que ocorre quando uma nuvem de pó, com uma concentração adequada, encontra uma fonte de ignição com energia suficiente”, detalha Estellito Rangel Junior, engenheiro certificado CompEx e ATEX, primeiro representante brasileiro em Maintenance Teams do TC-31 da IEC nas normas sobre atmosferas explosivas e auditor de conformidade, com diversos trabalhos publicados.

Tanto no caso de Palotina, como em outras ocorrências desta natureza, é comum que ocorram explosões secundárias, aumentando o impacto do sinistro. “Ocorre a primeira explosão, que agitará o ambiente, colocando mais material em suspensão e novas explosões ocorrem cada vez mais fortes, passando para outros locais da

edificação através de condutos dos elementos de comunicação”, lembrou o engenheiro, especialista em controle de poeiras explosivas, higiene ocupacional e ventilação industrial, Ary de Sá. Foi justamente este fenômeno que tirou a vida de Francisca, décima vítima fatal do acidente de Palotina.

INFLUÊNCIA
A possibilidade da explosão de uma nuvem de pó está condicionada à dimensão de suas partículas e sua concentração em gramas por metro cúbico de ar, às impurezas, à concentração de oxigênio e à potência da fonte de ignição. Conforme explica Ary de Sá, chamas abertas, luzes, produtos defumadores, arcos elétricos, filamentos incandescentes, faíscas de fricção, condutos de vapor de alta pressão e outras superfícies quentes, faíscas eletrostáticas, aquecimento espontâneo, solda e corte oxi-acetilênico e faíscas procedentes destas operações podem ser potentes fontes.

O especialista também explica que quanto menor for a dimensão da partícula de pó, torna-se mais fácil para a nuvem entrar em ignição devido a sua baixa densidade. “A dimensão da partícula faz aumentar também a capacidade elétrica das nuvens de pó, ou seja, o tamanho das cargas elétricas que podem se acumular na partícula da nuvem”, detalha. Mas por quais motivos, mesmo com este alto risco, as explosões envolvendo poeiras não estão no topo das ocorrências nas unidades de armazenamento de grãos? Há uma resposta. A explosão de poeira é mais difícil de ocorrer do que aquelas envolvendo substâncias inflamáveis, como gases e vapores, de acordo com Sérgio Garcia, chefe de Segurança do Trabalho na SRTE/RS (Superintendência Regional do Trabalho e Emprego) e coordenador da revisão da NR 33 (Segurança e Saúde no Trabalho em Espaços Confinados). Isto porque, explica ele, a concentração de poeira para gerar uma explosão precisa ser maior se comparada com a concentração de gases e vapores. “A concentração de poeira precisa ser na faixa de gramas e não em miligramas, como no caso dos outros combustíveis. No entanto, quando ocorre, a energia liberada é muito maior do que aquelas envolvendo gases e vapores, já que a primeira explosão levanta a poeira e gera outras explosões”, complementa.

NORMAS
Diante da gravidade de ocorrências deste porte é preciso agir. E, para isso, é necessário inicialmente se debruçar sobre a legislação. As normas nacionais, por exemplo, estão representadas na NR 31 (Segurança e Saúde no Trabalho na Agricultura, Pecuária, Silvicultura, Exploração Florestal e Aquicultura), que traz um item com medidas de controle dos riscos de incêndio e explosão envolvendo secadores, silos e espaços confinados. “A normatização técnica brasileira já dispõe de normas sobre medidas preventivas contra os riscos de explosão, com destaque para a NBR 60079-14, que estabelece os requisitos de segurança para as instalações elétricas em áreas sujeitas à formação de atmosferas explosivas, conhecidas como áreas classificadas”, acrescentou Rangel Junior.

A NR 33 (Espaços Confinados), revisada no ano passado, também traz

orientações importantes que envolvem controle de energias perigosas, avaliações atmosféricas, ventilação, além das recomendações para o uso de equipamentos em áreas classificadas. “Um dos maiores avanços que tivemos nesta revisão em relação ao texto anterior tem relação com o resgate nestes espaços em casos de emergências como esta, do porte da registrada em Palotina”, afirmou Garcia.

Já na legislação internacional, nos países europeus há as Diretivas ATEX (Atmospheres Explosives), que possuem força de lei e exigem o mapeamento dos riscos de incêndios e explosões, devendo ser feito o registro das medidas de controle em um documento específico. Existem também as normas internacionais IEC, em especial as da série 60079. Dentre as normas estrangeiras, também cabe destacar as normas americanas da NFPA, que estabelecem muitos requisitos técnicos para evitar explosões no agro. “Podemos dizer que a normatização técnica existente tem atendido ao setor, uma vez que nos relatórios periciais dos acidentes ocorridos as causas apontadas são justamente o não-atendimento às disposições das mesmas. As normas estão sendo periodicamente revisadas, mas os conceitos fundamentais continuam inalterados”, completou Rangel Júnior.

MEDIDAS
Mas apenas a existência de normas, sabemos, não garante a proteção. No caso da prevenção de explosões, as medidas são diversas. Inicialmente, estes ambientes precisam ser avaliados por um especialista quanto à possibilidade de formação de atmosferas explosivas, que serão então assinaladas no documento de classificação de áreas. Este documento, conforme Rangel Júnior, precisará apontar as áreas com potencialidade de formação de atmosferas explosivas tanto em condições normais, quanto em condições anormais de operação.

A partir deste documento, de acordo com o especialista, é que poderão ser especificados os equipamentos seguros, bem como poderão ser elaborados os procedimentos para execução segura dos serviços programados para aqueles locais. “Como a ocorrência de explosão necessita de pós combustíveis em suspensão, acima da concentração mínima definida em laboratório para cada produto, a execução de um procedimento eficaz de limpeza é imprescindível para eliminar os acúmulos de pós combustíveis. Além disto, caso o ambiente ou o processo não permitir que seja feita uma limpeza adequada, há dispositivos especiais, como supressores e isoladores de explosão, painéis de alívio e outros que limitam os efeitos de uma eventual explosão, visando proteger vidas e instalações”, elenca. O engenheiro Ary de Sá reforça que não pode ser feita uma generalização de métodos de proteção em relação ao risco de explosão, porque eles dependerão das propriedades da poeira, tipo de projeto, planta industrial, equipamentos existentes, risco de instalações vizinhas e valor do equipamento em risco. Por estes motivos, o especialista ensina que os métodos estão agrupados em categorias e podem ser usados em conjunto. O primeiro deles é o controle de incêndios nestas unidades, já que estes sinistros são os inicializadores das explosões. Outra medida é que haja áreas de alívio suficientes nos espaços confinados dessas unidades de armazenamento para evacuar os gases quentes antes que atinjam níveis de pressão destrutivos. Neste caso, uma indicação é a utilização de supressores automáticos que, de acordo com Sá, consistem em um sistema formado por detectores de pressão ou de chamas e um agente extintor confinado e submetido à pressão contínua. “Caso um detector do sistema identifique uma chama, uma válvula derrama uma quantidade de produto gás inerte ou pó químico no recinto, que elimina todo oxigênio do ambiente evitando sua propagação no local e interrompendo a propagação a demais locais da edificação”, detalha. Outra medida para reduzir os efeitos das explosões é a inertização, isto é, a injeção de um gás inerte, ou um pó químico, que reduz drasticamente a quantidade de oxigênio presente no espaço. Os supressores limpos são outra alternativa. Eles atuam com um produto químico tipo pó, que ao ser derramado no ambiente reaciona com os gases, reagindo com o oxigênio presente na mistura, impedindo, desta forma, a continuidade do fogo ou da explosão. Sá também lembra que atualmente pode-se contar com vários tipos de sistemas de alívio da explosão ou sobre pressão, os de alta pressão, para tubulações cilíndricas, que podem ser colocados em qualquer trecho da rede entre flanges nos dutos. Ainda são recomendadas medidas para o controle das faíscas por atrito de metais, entre outras ações.

 

CONTROLANDO INCÊNDIOS

Ocorrências envolvendo explosões são raras, mas incêndios, não. Atuando como major do Corpo de Bombeiros Militar do Paraná, Luís Eduardo Zarpellon, que é doutorando em Engenharia Química e especialista em Prevenção e Combate a Incêndios, tem acompanhado de perto, com frequência, ocorrências envolvendo esses sinistros nestas unidades. Sua tese de doutorado, que será defendida no próximo ano, inclusive, se debruça sobre incêndios em uma operação específica das unidades: os secadores de grãos. “Minha tese aborda a respeito de um dispositivo precoce de detecção de incêndio. O secador trabalha com transferência direta de calor vindo de uma fornalha que irá atingir os grãos para fazer a secagem a fim de reduzir a umidade e armazená-los por mais tempo. Por este motivo nesta operação ocorrem com mais frequência os incêndios”, explicou.

De acordo com ele, o incêndio em secadores dá-se por um somatório de fatores. Por isso é necessária a limpeza sistemática da estrutura. “O fabricante indica quando o equipamento precisa parar e ser esvaziado para retirada das impurezas, palhas, cascas que, por serem um material muito denso, acumulam na parte superior do secador e, por ter esse contato com os gases oriundo do fogo das fornalhas, pode entrar em ignição”, esclarece ele. Além da limpeza, o controle de temperatura também é essencial, além do controle do nível de grãos.

“Se baixar o nível de grãos, o sistema de pressão pode ser desregulado e fagulhas podem ser arrastadas para dentro do equipamento. O sensoriamento de temperatura também é importante”, elenca. Outras operações, além dos secadores, também oferecem o risco de incêndio. Elevadores e esteiras transportadoras, que são equipamentos que trabalham com velocidade, podem provocar atrito e gerar incêndios e até explosões. “Os silos também, pelo processo de decomposição do material, podem atingir temperaturas que alcançam alta ignição”, completou.

Cenário complexo

Engolfamento, soterramento e queda de altura provocam mais mortes

As explosões estão bem distantes de serem rotina em unidades de armazenamento de grãos e cereais. Há muitas operações nestas plantas que envolvem diversos outros riscos. Entre as atividades estão as que envolvem o transporte, recebimento e armazenagem temporária dos grãos, riscos oferecidos por equipamentos e a utilização de maquinários aplicados na movimentação dos grãos nas diferentes etapas do processo. São operações que expõem os trabalhadores a riscos relacionados à queda de altura, colapsos estruturais, apreensões e esmagamentos e choques elétricos (veja mais no Quadro Riscos na operação).

Conforme o auditor fiscal do trabalho e chefe do Setor de Segurança e Saúde do Trabalho no Paraná, Eduardo Reiner, os silos, estruturas que podem ser verticais ou horizontais, são considerados espaços confinados, o que pode aumentar os riscos devido à falta de circulação de ar, acumulação de gases perigosos e dificuldade de resgate em caso de acidente. “A poeira acumulada nestes locais pode conter partículas finas de grãos ou produtos químicos que, quando inaladas, também podem causar doenças ocupacionais, além da inalação de partículas orgânicas, como esporos de fungos, presentes em grãos, que são perigosas à saúde”, afirmou.

Os riscos são tantos e considerados tão complexos que Reiner indica que já está no radar da SRTE/PR a criação de um grupo setorial voltado para o armazenamento de grãos. “Contudo, com o quadro atual de 88 auditores fiscais do trabalho no Paraná, muitos em funções administrativas, e apenas 62 nas equipes de fiscalização, é algo impossível de colocar em prática. Nossa esperança é que com o novo concurso anunciado de 900 vagas o Paraná, que é um Estado muito mais defasado que o resto do país em quantitativo de AFTs, receba no mínimo 70 novos auditores em 2024. Com isso, será possível implementar um novo projeto setorial, e então fazermos um trabalho nessas unidades do Paraná”, completou.

LEVANTAMENTO
Além destes riscos citados por Reiner, outros, em especial, chamam a atenção por aparecer no topo das ocorrências deste setor: o engolfamento e o soterramento. Auditor fiscal do trabalho e coordenador do projeto de Fiscalização em Silos e Armazéns da

SRTE/RS, Rudy Allan Silva da Silva, é o responsável por produzir um levantamento nacional que permitiu chegar a esta conclusão e traçar um perfil das vítimas. A metodologia da pesquisa levou em consideração, por exemplo, a triangulação de informações coletadas em notícias publicadas, CATs (Comunicações de Acidentes de Trabalho) e dados de fiscalizações.

As informações coletadas desde 2020 indicam que, naquele ano, foram registrados 67 acidentes de trabalho em unidades de armazenamento de grãos e cereais de 13 estados, com 69 vítimas fatais. Em 2021 foram 85 ocorrências, com 89 vítimas fatais em 16 estados. Já em 2022 foram 71

acidentes, com 87 trabalhadores mortos em 17 estados. Os quatro estados que mais registraram vítimas são Mato Grosso, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraná. De acordo com o estudo, quase 40% dos acidentes levou os trabalhadores à asfixia pelo engolfamento e soterramento em grãos. Estas duas ocorrências, embora envolvam o contato direto do trabalhador com grãos, têm diferenças.

ENGOLFAMENTO
Técnico de Segurança do Trabalho, especialista em Urgência, Emergência e Atendimento Pré-Hospitalar, e Engenharia de Prevenção a Incêndios e Pânico, Alessandro Szydlowski, que já coordenou extrações de vítimas que foram soterradas ou engolfadas completamente ou parcialmente pelos grãos, explica que o engolfamento pode ocorrer quando, ao caminhar sobre a massa de grãos, os trabalhadores se deparam com bolsas de ar ou ponte de grãos e, ao pisar sobre elas, são engolfados imediatamente.

O técnico em Segurança e em Emergências Médicas, especialista em Gestão de Emergências e Desastres, em Segurança e Higiene Ocupacional e em Toxicologia Geral, formador e coordenador de equipes de emergência, Marco Aurélio Nunes da Rocha, complementa sinalizando que se um trabalhador estiver executando atividade sobre uma determinada massa de grãos no interior de um silo e/ou caixa de armazenagem e for iniciada a movimentação desses grãos (transferência/ descarga), ele poderá ser aprisionado e/ou “dragado” por essa massa em menos de 20 segundos, claro dependendo da velocidade do fluxo.

“Daí a importância da aplicação da sistemática de controle de energias perigosas e disponibilidade de sistema de movimentação fixa e/ou móvel (monopé e/ou tripé) nesses locais, de forma que a movimentação possa ser acompanhada e permita a remoção desse trabalhador o mais rápido possível”, sinalizou. O sistema de bloqueio de energia é necessário para evitar

que os equipamentos utilizados para o deslocamento dos grãos seja acionado quando o trabalhador estiver caminhando sobre eles.

Já o soterramento do trabalhador pode ocorrer quando ele realiza a atividade de quebra de paredes de grãos, e eles se descolam da parede pela trepidação, recobrindo o colaborador totalmente; ou no carregamento dos silos e graneleiros com a presença de colaboradores em seu interior.

Porém para que acidentes envolvendo esses riscos aconteçam, é preciso entender o que originou a entrada do trabalhador nesses espaços que armazenam verdadeiras montanhas de grãos. “Podemos citar infiltrações superiores, inferiores e nas laterais dos locais de armazenamento, umidade alta dos grãos armazenados somando com alta temperatura do ambiente externo irradiando para dentro destes locais, gerando a compactação de blocos de grãos; sistemas de carregamento e descarregamento sem nivelação e falta de aeração e ventilação no interior dos espaços que armazenam grãos”, indicou Szydlowski.

PREVENÇÃO
E como essas ocorrências, que estão no topo das causas de acidentes no setor, podem ser evitadas? Para o especialista, existe um trabalho a ser feito reunindo a alta gestão da agroindústria, a área de engenharia, a manutenção eletromecânica, as operações produtivas do setor e a área de SST. À alta gestão, cabe a autorização e aprovação de normas e projetos desenvolvidos pelas áreas a fim de trazer segurança e otimização dos processos produtivos. Já o papel da engenharia é de trazer soluções e facilidades para o processo produtivo atrelado com a segurança dos seus operadores de produção. “Como exemplo, ao realizar a aprovação de um projeto de construção de um silo é muito comum partes e componentes de segurança desta estrutura serem retiradas do projeto para baratear custos, como silos sem escadas caracol, sem guarda-corpo superior, sem monopé, sem monotrilho. Mas essas são peças fundamentais para a segurança do operador, facilitando o trabalho dos colaboradores”, salienta Szydlowski.

Já o papel do setor de manutenção eletromecânica é o de garantir o bom funcionamento dos equipamentos e maquinários, realizando manutenções pontuais e principalmente preventivas. De acordo com o especialista, a área produtiva é muito pouco envolvida no desenvolvimento de sistemas de segurança na agroindústria. “Normalmente, quando ficam sabendo de novos recursos para sua área eles já foram instalados sem mesmo serem consultados se de fato isto será eficiente”, observa.

Uma situação que pode levar à morte de trabalhador no interior de um silo é, segundo Szydlowski, ao se instalar um sistema de trava quedas retrátil no ponto superior de um silo e conectar no colaborador para que o mesmo caminhe sobre a massa de grãos. Isto dará a ele uma falsa sensação de segurança, pois a maioria dos profissionais de SST sabe que o trava quedas é acionado por velocidade. “Ou seja, se o colaborador pisar em uma ponte de grãos, ele será engolfado parcialmente, mas devido ao fluxo de grãos inferior, ele afundará na massa de grãos, ocasionando sua morte devido à lentidão do aprofundamento”, detalha. O melhor sistema a ser utilizado, segundo ele, é uma corda 12mm com uso de um trava quedas flexível ou um descensor autoblocante, pois assim é possível controlar a tensão da corda e agir com exatidão. Dependendo da situação, esta linha flexível pode ser horizontal ou vertical.

À área de SST cabe o acompanhamento das atividades, o gerenciamento e classificação dos riscos, as soluções de segurança a serem aplicadas, a defesa de projetos de segurança frente à alta gestão, o acompanhamento e a validação de cursos e treinamentos ministrados por instrutores terceiros, a fim de garantir qualidade nivelada de todos os participantes, avaliando se os conteúdos são aplicáveis à realidade do agronegócio ou de suas unidades, e a capacitação da própria equipe de SST com cursos e treinamentos. “Se somarmos tudo o que relatamos podemos garantir que a segurança da agroindústria sofrerá um avanço exponencial jamais visto no Brasil, com silos mais seguros, com túneis seguros, com graneleiros livres de riscos de explosões. Está na hora da união entre as partes”, completou Szydlowski.

fiscal do trabalho no Rio Grande do Sul, Rudy Allan Silva da Silva, aparecem como a segunda maior causa de acidentes e mortes no setor no país, representando mais de 17% das ocorrências. E estes perigos não estão presentes somente dentro dos silos. De acordo com o especialista em trabalho em altura, diretor e coordenador técnico das empresas do Grupo LE-NAT Brasil – Inspeção e Instalação de Ponto de Ancoragem e Linha de Vida, Marcelo Silveira dos Santos, é possível citar várias operações que demandam trabalho em altura nestas unidades.

“A operação em silos e armazéns demanda muita manutenção e limpeza constante por conta do processo produtivo em si. Os lugares são muito altos devido ao estilo de transporte de grãos feito por meio de elevadores, correias transportadoras elevadas, redler e tubos metálicos. Bem como moegas e túneis que, na maioria das vezes, têm acesso por escadas. O acúmulo de pó é um complicador, pois deixa as subidas ainda mais perigosas. A falta ou a ineficiência de dispositivos de segurança também contribuem”, alerta. Considerando as etapas do armazenamento de grãos, Raphael Luiz Borba, técnico de Segurança do Trabalho, supervisor de Acesso por Corda N3 IRATA, coordenador de Resgate Técnico Industrial e diretor e instrutor da Ápice Vertical, aponta que o trabalho em altura está presente em diversas atividades do setor. “Temos desde a chegada do caminhão, retirada da lona, coleta de amostras, descarregamento na moega, acesso aos elevadores, secadores, silos, armazenamento, controle de pragas, manutenção, limpeza e outros”, elenca. De acordo com ele, muitas vezes também é negligenciado o risco de queda de altura nos espaços confinados. “Os acidentes envolvendo trabalho em altura e engolfamento, muitas vezes, ocorrem porque a restrição de movimentação, que é uma técnica de prevenção contra acidentes em altura, falhou. Também existem quedas ao descer por escadas sem usar SPIQ (Sistema de Proteção Individual Contra Quedas), queda de altura da carroceria do caminhão, queda de altura por andar sobre big bags, queda de altura de estruturas ao fazer manutenção, por falta de isolamento em espaços confinados abertos, entre outros motivos”, complementa.

PONTOS CRÍTICOS
Para o técnico em Segurança e em Emergências Médicas, especialista em Gestão de Emergências e Desastres, em Segurança e Higiene Ocupacional e em Toxicologia Geral, formador e coordenador de equipes de emergência, Marco Aurélio Nunes da Rocha, os acidentes na agroindústria, como nas demais atividades econômicas, podem ser evitados se forem seguidas na íntegra as medidas preventivas indicadas nas ordens de serviço, procedimentos e permissões de trabalho.

Segundo ele, sem esquecer das análises de riscos, que devem levar em consideração os locais onde as atividades serão executadas, os possíveis cenários acidentais e as interferências

do entorno, prevendo ainda sinalização e isolamento da área operacional. “Quando for necessário usar sistema de proteção contra quedas, devem ser previstos os pontos de ancoragens, de relacionar as condições meteorológicas adversas que podem ser impeditivas para a execução segura da atividade, além, claro, da seleção, inspeção e forma que serão utilizados os sistemas de proteção coletiva e individual contra quedas”, afirma.

Assim como em outros riscos do setor, o trabalho em altura também requer treinamento dos trabalhadores. Mas, antes, como sinaliza Santos, é preciso investir em um inventário de riscos com medidas técnicas de prevenção e engenharia, com um mapeamento simples e claro, compreensível pelo trabalhador. “É essencial o mapeamento destes riscos específicos. “Elevadores nestas unidades, por exemplo, podem ter 50 metros de altura ou mais, com meio de acesso por uma escada reta e, na maioria das vezes, sem nenhum tipo de patamar de descanso. Por isso é preciso escolher e treinar a técnica adequada a cada atividade,

fazer e treinar a seleção adequada de cada equipamento para que o trabalhador tenha a clareza do que usar e de que forma em cada situação de risco”, explica.

Raphael também defende um bom planejamento, organização e execução das atividades. “Fazer um bom levantamento dos pontos críticos, fazer a AR (Análise de Risco) e adequação dos SPCQ (Sistemas de Proteção Coletiva Contra Quedas), aquisição dos SPIQ (Sistema de Proteção Individual Contra Quedas), elaboração dos PO (Procedimento Operacional) e PT (Permissão de Trabalho), PR (Plano de Resgate)”, indica. Para ele, os principais equívocos envolvendo o trabalho em altura nesses espaços e que colocam em risco a segurança dos trabalhadores, estão relacionados à desvalorização do risco. “Muitas empresas não oferecem SPCQ. Se é difícil praticar proteção, mais fácil fazer sem, ou com equipamentos inadequados, treinamentos sem considerar a realidade dos trabalhos, falta de recursos, ausência de um bom plano de resgate e falta de resgatistas”, critica.

Habilidades para o resgate

Perigos associados ao processo precisam ser considerados

Prevenir acidentes envolvendo engolfamento, soterramento e quedas em altura, como vimos, envolve uma série de medidas preventivas. Mas e quando essas ocorrências acontecem? O que a equipe de resgate precisa saber para agir com efetividade na retirada dos trabalhadores destes espaços confinados? O sucesso da operação dependerá de uma série de habilidades dos resgatistas.

Entre elas está o conhecimento sobre a dinâmica do fluxo de grãos em espaços confinados, funcionamento dos maquinários, saber sobre resistência e dilatação de materiais metá-licos e zincados, atmosferas explosivas e áreas classificadas, formação do pentágono da explosão e como evitá-lo, análise estrutural para seleção de pontos de ancoragem tipo bomba (pontos visivelmente resistentes que não precisam de aprovação de engenheiros para sua utilização), sistemas de detecção de gases e sistemas de respiração autônoma.

Ainda é preciso dominar, entre outras coisas, suporte básico de vida, com ênfase em tratamentos pós-soterramento, pós-suspensão inerte e quedas por fall back em escadas. “Costumo dizer que a agroindústria é única e possui riscos exclusivos em suas operações, não encontrados em nenhum outro ramo produtivo brasileiro. Ela é tão exclusiva, mas tão exclusiva, que antes de se envolver com resgates na agroindústria é preciso adquirir uma série de habilidades”, recomendou o técnico de Segurança do Trabalho, especialista em Urgência, Emergência e Atendimento Pré Hospitalar, e Engenharia de Preven-ção a Incêndios e Pânico, Alessandro Szydlowski.

Foi pensando nessas habilidades e visando suprir a escassez de profissionais capacitados no setor de resgates agroindustriais no Paraná, que Szydlowski criou em 2017, neste Estado o GRAEC (Grupamento de Resgate em Altura e Espaço Confinado). O objetivo é reduzir o tempo de resgate na agroindústria tornando-a autossustentável em resgates. “Algumas unidades ficam longe do Grupamento de Bombeiros, aumentando o tempo de resposta e deslocamento. Pensamos que quanto mais rápido o atendimento ocorrer, maiores serão as chances de sobrevida da vítima. Por isso, quanto mais cooperativas possuírem seus grupamentos, menores serão as fatalidades por tempo de espera”, justificou.

 

INVESTIGAÇÃO ESTÁ PRESTES A SER CONCLUÍDA

Assim que a explosão na C.Vale foi registrada, em 26 de julho, a polícia, a SRTE/PR e o MPT se envolveram na investigação para apurar as causas do acidente. Até o momento, o laudo da polícia científica e a conclusão das investigações não foram divulgados, mas o trabalho está em fase de conclusão. Envolvido na fiscalização pela SRTE/PR, o AFT Maurício Pavesi, conta que o início da inspeção começou apenas após o resgate da última vítima. Depois da fase de coleta de informações, documentos e imagens, a SRTE emitiu um termo de interdição de ingresso nas áreas da C.Vale, além de determinar a retirada de 50 mil toneladas de grãos, que ofereciam riscos.

“O que ficou evidente de imediato, pelas características da explosão, é que ela ocorreu no subsolo da unidade. O ponto exato do início da explosão depende da confirmação da polícia científica e é provável que o combustível gerador seja a poeira”, detalhou. Pavesi afirma que é pouco provável que algum gás presente no espaço confinado seja o responsável pela ocorrência. “Se houvesse gás, ocorreria asfixia dos trabalhadores. Tudo indica que esteja relacionado à poeira em suspensão, até porque as máquinas estavam em operação”, justificou. Em acidentes envolvendo explosões, o auditor fiscal diz que nem sempre é possível chegar no ponto exato gerador da ignição. “Esta não é nossa maior preocupação. O mais importante é avaliar as hipóteses e possíveis irregularidades para a ocorrência”, disse.

Por parte do MPT, o procurador em Cascavel/PR responsável pelo caso, Renato Dal Ross, diz que o órgão vem acompanhando o desenrolar da perícia técnica para conduzir a investigação de forma administrativa ou judicial. “Durante este período que aguardamos a conclusão dos laudos periciais, ajuizamos uma medida para que a C.Vale pagasse as verbas rescisórias para os familiares dos trabalhadores vitimados, assim como a manutenção do pagamento dos salários, até que as questões indenizatórias sejam definidas”, detalhou.

Com a conclusão das investigações, conforme Dal Ross, será possível determinar se houve responsabilidade da empresa na falha de algum processo ou descumprimento das normas. “Com isso, a cooperativa será intimada a adequar sua conduta, seja por meio de um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) ou de uma Ação Civil Pública, para que esse ou outro tipo de acidente nessas unidades não venham mais a ocorrer”, completou o procurador.

O QUE DIZ A C.VALE
Sobre as causas do acidente, a C.Vale diz que é preciso aguardar os resultados periciais. Carlos Arauz, assessor jurídico da C.Vale, garantiu que a cooperativa estava com todas as vistorias em dia, cumprindo todas as normas regulamentadoras e todos os funcionários eram treinados e utilizavam os equipamentos de proteção. “A C.Vale investe pesadamente em Segurança do Trabalho. Só no ano passado foram R$ 26,5 milhões nessa área. Contudo, diante do grave incidente, a cooperativa irá mobilizar esforços visando criar projeto para prevenção e treinamento direcionado às suas áreas de negócios e aos seus colaboradores”, informou.

Um dos pontos nevrálgicos na elaboração de procedimentos e planos de resgate, segundo o especialista, fica por conta do tempo de resposta para o resgate da vítima, sobretudo as que estão no interior de espaços confinados e/ou retidas em suspensão, já que não existe um tempo padrão, pois cada cenário acidental pode exigir um determinado tempo, maior ou menor. “Só que esse tempo estimado deve ser calculado e previsto levando em consideração a remoção do trabalhador ou sua estabilização numa condição que não venha causar agravos a sua saúde, como as decorrentes da suspensão inerte e/ou intoxicações e asfixias em espaços confinados e demais locais de risco”, elencou.

Ref.: Revista Proteção, Saúde e Segurança do Trabalho (Digital): Montanha de riscos Editora Proteção Publicações. Ed. 382, p. 10, outubro/2023.

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