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Informações importantes ao setor de Segurança do Trabalho e Saúde Ocupacional.

Do compliance ao cuidado

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Uma abordagem além das normas para a indústria química

Kamilla Paes Perez – Engenheira Química, especialista em Engenharia de Segurança

do Trabalho e mestre em Tecnologias Sustentáveis pela UFRJ. Especialista em EHS LAR SUL pela MSA Safety, com 8 anos de atuação nos setores petroquímico e de energia.

Coordenação:
Marcelo Kós – Engenheiro Químico Newton Richa – Médico do Trabalho

A indústria química é fundamental para o crescimento econômico dos países, fornecendo insumos para os mais variados segmentos. O setor químico caracteriza-se por utilizar processos industriais complexos, envolvendo uma série de perigos. Os processos químicos estão sujeitos a normas rigorosas em virtude do risco de explosões e incêndios, especialmente em áreas classificadas.

Áreas classificadas são locais com alta probabilidade de formação de atmosfera explosiva resultante da presença de gases ou líquidos inflamáveis, poeiras combustíveis muito finas ou fibras combustíveis que, em contato com o ar, na presença de uma fonte de ignição, causem uma explosão. Os materiais são produtos ou subprodutos de processos industriais que envolvem a utilização de grãos, madeiras, metais leves (alumínio e magnésio), produtos químicos, alimentícios e farmacêuticos.

A classificação deve ser feita com base na norma ABNT NBR IEC 60079-10 e abrange três graus de risco: 1- Grau contínuo: Riscos constantes ou por longos períodos; 2- Grau primário: Riscos sazonais em condições normais de trabalho; e 3- Grau secundário: Risco em condições atípicas e por curtos períodos.

A formação de profissionais de Segurança e Saúde no Trabalho no Brasil está muito focada no cumprimento de regulamentos, como as Normas

Regulamentadoras. Isto, associado a uma cultura empresarial centrada em resultados, pode criar uma mentalidade em que o cumprimento das normas torna-se o principal objetivo, gerando uma abordagem mecânica pouco proativa. É preciso ir além: entender o indivíduo como um todo e buscar formas de conscientização e treinamento efetivas. É necessário comprometer as pessoas, para que as medidas preventivas sejam incorporadas nos processos.

LACUNAS
Nessa área, a legislação brasileira apresenta lacunas em comparação com legislações de outros países, como a NF-PA (National Fire Protection Association) dos Estados Unidos ou a ATEX (ATmosphères EXposibles) da Europa. A Norma Regulamentadora 10 (NR 10) aborda a segurança em instalações elétricas em áreas classificadas e a Norma Regulamentadora 20 (NR 20) trata de medidas de prevenção e controle dos riscos no trabalho com inflamáveis e combustíveis, porém nenhuma delas cita a existência das poeiras combustíveis.

Uma explosão de poeira combustível resulta da combinação de cinco fatores: oxigênio, calor, combustível, dispersão e confinamento, conhecidos como o “pentágono de explosão de pó”. Por este motivo, ações como controle da energia estática (uso de equipamentos de proteção antiestáticos e aterramento na transferência de líquidos inflamáveis), limpeza contínua de pontos de acúmulo de pó, segurança de processos e conscientização precisam ser priorizadas.

Adotar uma postura apenas de compliance, sem entender o escopo completo das ameaças nos ambientes de trabalho, pode dar a falsa sensação de segurança quando, na verdade, ainda pode haver perigos não identificados. Em áreas classificadas, o risco é ainda

maior. Por isso, o mapeamento de área classificada, análise de perigos de processo (PHA) e ouso de ferramentas como o HAZOP (Hazard and Operability Study – Estudo de Perigos e Operabilidade) ajudam a explicitar os fatores críticos que podem comprometer a segurança operacional.

Quando analisamos as causas dos acidentes e passamos a entender melhor o porquê, devemos ir além das normas e ferramentas tradicionais, para focar na implementação de uma “Cultura do Cuidado”. O consultor sênior para cultura organizacional e de segurança Todd Conklin, em seu livro Pre-Accident Investigations: An Introduction to Organizational Safety, demonstra que quando pedimos para alguém realizar uma tarefa, definimos um escopo, planejamos e tentamos reduzir os imprevistos operacionais, contudo, a realidade do trabalho é, frequentemente, diferente.

Na Figura, Compreendendo a lacuna operacional podemos observar duas linhas: a linha sólida, que é o trabalho conforme imaginado (trabalho perfeito)e a linha pontilhada, que representa a realidade onde os trabalhadores precisam se adaptar às situações inesperadas, pois o ambiente de trabalho raramente corresponde ao ideal imaginado. O espaço entre o trabalho planejado e o trabalho executado é a lacuna operacional. À medida em que os trabalhadores se adaptam e improvisam soluções, novos perigos podem surgir.

Do compliance ao cuidado

OPORTUNIDADE
Fazemos análise de riscos do trabalho, treinamentos e qualificação para tudo o que imaginamos que os trabalhadores farão, mas muitas vezes não sabemos como o trabalho é feito. Isso é válido também do ponto de vista do Compliance: sabemos as regras, mas não sabemos se elas vão atrapalhar o trabalhador nas suas tarefas, o que pode levá-lo a burlá-las. Segundo a cultura japonesa, isto acontece quando a gerência não vai a campo, não vai aonde as coisas acontecem (“gemba” na linguagem da Toyota).

A investigação de acidentes deve ser vista como oportunidade de aprendizado e não busca por culpados. O consultor Conklin oferece uma nova perspectiva sobre como investigar e prevenir acidentes nas organizações. Ele nos ensina a olhar de forma diferente e nos convida a questionar o “como”. As normas estabelecem o que pode, o que não pode e o porquê, mas nem sempre nos mostram o “como” e isso pode levar a uma tendência de replicarmos o “tem que fazer assim, porque é uma regra”, sem ouvir e levar em consideração aspectos específicos de um determinado processo.

Como gestores de Segurança e Saúde no Trabalho, precisamos melhorar o aproveitamento do potencial humano para ver as pessoas como solução e não como o problema. Em geral, as pessoas seguem o comportamento da média. Em ambientes limpos, arrumados, seguros e saudáveis todos tendem a seguir esses parâmetros. Ambientes de caos, desperdício e desordem aumentam os riscos de acidentes e doenças.

Segundo Clive Lloyd, psicólogo especialista em Liderança em Segurança e Desenvolvimento de Cultura, o erro humano não é a causa; é um sintoma de algo maior. Os comportamentos não são o problema; são expressões do problema. A publicação Behavior-Based Safety: A Guide for Managers and Practitioners (NIOSH, 2021), aborda a eficácia dos programas de Segurança Baseada em Comportamento e como eles podem reduzir a taxa de acidentes. Estudos de caso abordados mostram que a implementação destes programas pode levar a uma redução na taxa de acidentes na faixa de 20 a 30 por cento.

A transição do Compliance para o Cuidado é uma abordagem além das normas, não pelo fato de discordar delas, mas sim por entender que são necessárias e que é preciso utilizá-las como base para uma compreensão mais profunda do ambiente de trabalho. Na indústria química, especialmente em ambientes que lidam com poeiras combustíveis e outras situações de alto risco, esse equilíbrio é essencial. Precisamos entender o nosso ambiente, como as tarefas são feitas e o comportamento dos nossos trabalhadores. Cuidado não é ser complacente, é saber ouvir, dar importância, estar aberto ao feedback e criar um ambiente físico e psicologicamente seguro. Este é um caminho para reduzir os riscos e prevenir acidentes e doenças em ambientes industriais complexos.

Ref.: Revista Proteção, Saúde e Segurança do Trabalho (Digital): Do compliance ao cuidado Ed. 396, p. 88, dezembro/2024.

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