Especialista em gestão de pessoas e liderança fala de diversidade e do preparo das empresas e profissionais para lidarem com o tema
Entrevista à jornalista Daniela Bossle
O engenheiro ambiental Fernando Lagassi brinca que não escolheu a Segurança do Trabalho, e sim que ela o escolheu. Quando entrou na área, não tinha conhecimento sobre o tema, mas acabou abraçando a gestão de SMS da empresa, com a ajuda de excelentes profissionais que lhe ensinaram muito. Depois buscou a especialização em Segurança do Trabalho e o MBA em Gestão de Pessoas e Liderança.
Natural do Espírito Santo, Fernando tem 36 anos, e há 15 trabalha com gestão de SMS em indústrias de papel e celulose, petróleo e gás, bens de consumo e química.
Como gestor, líder de equipes e projetos, ele inovou, não somente na redução de acidentes e fortalecimento da cultura de segurança, mas também consolidando a diversidade nas empresas. Cansou das piadas de corredor e de tentar ser o que não era, e resolveu assumir sua orientação sexual como homem gay.
Passados os desafios iniciais, que não foram poucos, tudo acabou ficando mais leve. Agora ele pode estar por inteiro em tudo o que faz, inclusive obtendo resultados melhores do que antes. “Ser LGBT me ensinou a usar um pouco da vulnerabilidade que a gente tem como força. E isso acabou me fazendo um gestor mais atento, mais empático e mais humano”, reflete.
Você pode ser considerado um gestor jovem, tem uma trajetória mais recente. Como tem sido sua experiência à frente da gestão de equipes de SST? Olha, eu definitivamente sou considerado um gestor jovem. Tenho só 36 anos, passei por vários tipos de indústrias em vários cargos diferentes. Aos 31 anos eu era um gerente regional, então foi muito desafiador chegar até aqui e eu tenho muito orgulho da minha carreira. Isso por si só já é um desafio imenso. Agora, além de ser jovem, eu também sou LGBT, então a cobrança acaba sendo muito maior, o julgamento é muito mais rápido, o espaço é menor, porque as pessoas parece que estão sempre te avaliando e te olhando. Não é o tempo cronológico que traz a maturidade de um gestor ou de uma pessoa. É claro que todo mundo tem seus desafios, mas se as pessoas soubessem todos os desafios que eu já superei na vida, tenho certeza que essa questão de idade jamais seria um problema. Já passei por vários lugares, vários setores, várias posições e aí o que importa no final das contas é que depois que as pessoas vão conhecendo o seu jeito de trabalhar e os resultados que a gente consegue gerar para o negócio, todas as outras questões vão sendo deixadas de lado. Mas a gente precisa, todos os dias, o tempo todo estar se provando e sempre criar resultados para chegar onde a gente quer.
Conte alguma experiência que tenha lhe marcado enquanto gestor da área. Quais foram os aprendizados? Existem experiências que acabam sendo, vou colocar entre aspas, aqui, boas. Experiências que são um pouco mais desafiadoras, ou ruins, entre aspas também. Mas, no final das contas, tudo é bom, tudo é aprendizado. É como diz o ditado: o que não mata, engorda, né [risos]. As coisas boas foram os projetos e os resultados que acabei criando e que geraram transformações culturais, redução de taxa de frequência, enfim, tudo resultado indireto dos processos que a gente constrói. Mas teve uma em particular que foi uma equipe bem desafiadora, num cenário bastante ácido em que as pessoas estavam completamente doentes. Tinha pessoas que tomavam remédios controlados, sofriam de ansiedade, tinham casos de depressão… Foi um período bastante turbulento, mas os aprendizados foram maravilhosos. Acho que o maior deles é que o gestor, quando se encontra num cenário como este, em que precisa trocar pessoas, mudar processos, inserir novos protocolos, alinhar demandas, redistribuir rotinas, precisa estar bem. E isto quer dizer bem psicologicamente, fisicamente, emocionalmente. Foi uma época em que eu fazia muita atividade física, que eu tentava estar mais em casa, tentava fazer coisas mais voltadas para a minha vida pessoal. É aquele velho ditado: quando tem uma emergência no avião como é que a gente coloca máscara em outras, se a gente não está com a nossa ainda? A nossa máscara tem que ser a primeira, precisamos estar bem para cuidar disso tudo. Acho que o principal aprendizado foi este: estar saudável e saudável no sentido amplo.
E a comunicação? Qual a sua importância para aprimorar as ações e a cultura de segurança das empresas? Olha, tem gente que acredita que o propósito da área de segurança é cuidar de pessoas. Isso até é uma parte do processo, mas acho que quem trabalha numa indústria ou num local que oferece risco precisa ser grandinho para cuidar de si mesmo. Para mim, o propósito da segurança é facilitar o aprendizado. A gente precisa ter técnicas, ferramentas, indicadores, processos, normas, máquinas, tudo para facilitar o aprendizado. Se a gente remover a área de HSE das indústrias, o que acontece? A memória dos aprendizados se perde, porque as pessoas não têm uma referência de quem tem que fazer isso dentro da companhia. Então, a comunicação acaba sendo, talvez, a questão mais desafiadora, porque como é que você garante o aprendizado se você não se
comunica direito? A gente pode ter todo o dinheiro do mundo, as melhores máquinas, processos impecáveis, procedimentos bem elaborados. Mas se as pessoas não entenderem o que está acontecendo, não adianta nada. Já vi milhões sendo investidos em melhorias e mesmo assim o resultado foi confusão. Sabe por quê? Porque as pessoas não foram preparadas, não foram ouvidas, não foram incluídas. A comunicação não é um plus, ela não é um adicional na área de HSE. Ela é parte do investimento. Quando eu falo de investimento, não falo só de dinheiro, falo de treinamento, de tudo o que acontece em termos de investimento dentro da companhia. Então é na hora que a segurança se comunica, que a gente consegue construir o entendimento. A gente precisa se comunicar muito bem para mudar a cultura da empresa.
Os profissionais de SST estão se comunicando adequadamente com os trabalhadores? Não tem bala de prata nesse sentido, mas a gente está evoluindo. Para mim, a comunicação começa com um bom dia para as pessoas que estão ao seu redor, para o porteiro, o jardineiro, para as pessoas que operam as máquinas… Porque aí a conversa vai fluindo, né? Acho que a segurança precisa sair do pedestal técnico e se aproximar das pessoas. Aliás, a segurança não é só sobre números, é sobre gente, e quem não entendeu isso ainda está atrasado, está atrasado no mercado, está atrasado nos resultados. A comunicação da área de segurança precisa ser um pouco mais empática, um pouco mais acessível e por que não, um pouco mais divertida quando for possível? A gente pode rir, se divertir, brincar e falar de segurança ao mesmo tempo, as pessoas aprendem melhor assim. Quem diz que tudo tem que ser formal? Há momentos que exigem seriedade, mas quando der pra sorrir, vamos sorrir, vamos brincar, vamos nos divertir. Na minha carreira, em outra empresa, teve um programa muito simples que falava um pouco de cultura, trazia um pouco de indicadores, estabelecia algumas metas por área, a gente tinha um profissional de segurança que era responsável por cada área. E no final das contas mobilizamos as pessoas, foi lindo, ele foi reconhecido globalmente pela empresa. É um projeto que eu tenho muito orgulho de ter feito parte e acho que esse modelo mais empático, quando acontece, acaba funcionando e gerando resultados. Falo isso de uma forma leve, mas esse processo elevou os indicadores proativos da unidade de 60% pra mais de 95%. A gente saiu de uma taxa de frequência de acidentes acima de 5,5 e foi pra 1,4. Frequência de reportáveis mesmo, tá? Então tudo o que a gente implementou ali, toda a parte técnica, que também é extremamente importante para a segurança, funcionou por causa da forma como a gente se comunicava com a área operacional.
Em determinado momento você decidiu assumir publicamente a sua orientação sexual. Como foi assumirse como homem gay no universo corporativo? Sua experiência pessoal lhe deu mais ferramentas para lidar com a questão enquanto gestor? Essa pergunta sempre aparece sobre eu ter me assumido e tudo o mais. Já sou casado há quase 11 anos com meu marido Luiz Felipe, que aliás é um marido maravilhoso. Na época foi dolorido. Eu tinha medo, medo do que podia acontecer. Na verdade, ainda tenho um pouquinho de medo. Para você ter ideia, na época, fiz um casamento para 200 pessoas, em outro estado, e meu time não sabia. Apenas quatro pessoas ali da unidade souberam. Voltei da lua de mel, em Bali, na Indonésia, com uma aliança dourada no dedo, e as pessoas ficaram perguntando “o que esse anel está fazendo no seu dedo Fernando? Ai gente casei. Ponto [risos]. Eu tinha medo, mas ao mesmo tempo, estava um pouco cansado das piadas de corredor. Mesmo depois de casado, o sistema da empresa não aceitava meu marido. Tive algumas questões para colocá-lo no plano de saúde porque lá dentro da companhia só tinha o campo para esposa, era marido e esposa. Já que eu sou um homem, eu tinha uma esposa. Era assim que o sistema entendia. O RH foi super atencioso comigo, o TI também, foram rápidos até para fazer uma melhoria no sistema. Acho que fui o primeiro da empresa a oficializar um casamento assim. Essas coisas são importantes da gente lutar. A gente passa por guerras diárias em relação a esse assunto, mas elas também cansam. O tempo todo a gente precisa ser validado, a gente para ser escutado precisa falar um pouco mais alto, mas tem que tomar cuidado para não falar muito alto também, porque se não pode ser um negócio meio esquisito. Não há nada de errado em ser uma pessoa LGBT, um líder, um gestor, um diretor, um operador, seja lá que posição a pessoa ocupe na empresa. E com o tempo entendi que ou aprendemos a lidar com esses desafios ou eles engolem a gente, não tem para onde correr. Ser LGBT me ensinou a usar um pouco da vulnerabilidade que a gente tem como força. E isso acabou me fazendo um gestor mais atento, mais empático, mais humano. Eu escuto a história das outras pessoas que estão passando por problemas e isto tem muito valor.
Você acha que as empresas estão conseguindo conduzir o tema da diversidade em seu dia a dia? O que eu vejo é que o tema ainda está muito institucionalizado, principalmente diante da realidade do chão de fábrica. As empresas falam de diversidade, mas não estão preparadas para receber a diversidade dentro da sua empresa. Acabam insistindo na bandeira, aí em julho aparecem aquelas campanhas bonitas que a gente conhece, mas não investem em ações estruturantes dentro da empresa. Acho que fica muito na mão da liderança local, então se a liderança local não compra, o negócio não vai, né? Aí fica o RH ali com as campanhas, mas não adianta. A gente tem que ter alguém no local que compre aquelas campanhas. E aí, dentro desse cenário todo, a gente acaba torturando alguns profissionais que já são vítimas do sistema. Falo torturando porque não tem palavra melhor. A gente convida um profissional, fala que é uma empresa diversa, mas a gente não tem a diversidade estruturada. Então, não tem espaço para aquela pessoa, e aí vem o sofrimento. Que é a expectativa versus a realidade. Outro dia, recebi uma ligação que me deixou um pouco triste. De uma gestora que estava receosa em promover um rapaz extremamente competente, só porque ele era gay, porque a operação não iria aceitá-lo. Situações como esta ainda são muito comuns e mostram que não adianta ter discurso bonito, se as decisões continuam sendo baseadas nos vieses do mercado ou talvez até no preconceito.
E os profissionais da área estão preparados para lidar com questões de diversidade especialmente sexual e de gênero? O que falta? Acho que falta muita coisa para ser discutida ainda. Sei que a pergunta é específica em relação à diversidade sexual de gênero, mas falta muito. Ainda escuto empresas dizendo que estão se preparando para ter banheiro para mulheres… Essa discussão ainda existe, como se isso fosse um avanço. Na verdade, isso é um atraso absurdo que a empresa tem em não ter banheiro para mulher. E hoje, para você fazer esse tipo de obra dentro da empresa, exige investimento e você precisa se preparar. Fico feliz de ver que as empresas estão comemorando porque mostram uma evolução, mas ao mesmo tempo fico triste… tanto tempo, né? Se a gente está discutindo banheiro para mulher, você imagina mulheres na liderança operacional? Não tem nem banheiro pra ela usar, que dirá ela poder ser líder ali. Há um abismo que precisa ser discutido. Já acompanhei o caso de um profissional trans que saiu de férias, se afastou um tempo, voltou, era tido como competente e quando retornou como uma mulher trans, teve dificuldade de usar o banheiro.
Não conseguia usar o banheiro masculino, não conseguia usar o banheiro feminino, e eu descobri que ficou um tempo ali sem conseguir usar o banheiro. Tivemos que fazer uma intervenção e a empresa foi maravilhosa nesse sentido. Mas quando acontece esse tipo de coisa, não tem NR-24, não tem plano de cultura, não tem pauta de risco psicossocial, não tem nada. O que tem é falta de humanidade, falta de olhar para a pessoa e ver que ela precisa usar o banheiro, é básico. A pessoa que não usa o banheiro, não consegue trabalhar. Então, ainda falta muito para a gente falar de diversidade sexual e de gênero.
Na sua opinião empresas que têm diversidade verdadeiramente implementada conseguem melhores resultados? Um ponto importante é que diversidade gera lucro. Já existem estudos, inclusive com indicadores, que mostram que empresas mais diversas inovam mais. Têm maior capacidade de adaptação e também constroem times mais engajados, mais produtivos. E ainda assim, a diversidade precisa ser justificada, precisa ser provada como se fosse um luxo. Talvez um mimimi como dizem por aí. É uma pauta paralela e não parte do núcleo estratégico da organização. Certamente isso acontece porque a gente tem vieses estruturais profundamente enraizados dentro do nosso sistema. Principalmente em relação a quem está no poder. Mesmo quando há boas intenções, muitas áreas ainda trabalham de forma isolada em relação a este tema. Tem o RH, que é o protagonista desse assunto, é o dono dessa temática dentro da empresa. Aí entra o jurídico, que responde quando há algum conflito, dá algumas diretrizes em relação a alguns pontos. E o restante da empresa acaba assistindo, ou meio que não sabendo o que fazer, mas está tentando aprender. A boa notícia é que a gente está evoluindo .E a diversidade exige transversalidade, que é onde a área de HSE acaba entrando. A gente não é centralizador da discussão, mas a gente faz uma parte importante. Falo com uma certa propriedade porque vivi tudo isso. Aprendi na prática que a vulnerabilidade pode ser uma ferramenta de liderança porque torna a escuta mais empática, mais ativa, e que diversidade, quando bem compreendida, certamente potencializa resultados. A área de HSE acaba sendo um agente importante nesse processo de mudança, justamente por isso, porque lida com pessoas na prática. Com pessoas na área operacional, com pessoas que existem, que são de carne e osso. E porque também está em campo. Acho que essa é a grande vantagem da área de HSE. O time de saúde está escutando o trabalhador quando está fazendo um periódico. O time de segurança deveria estar lá em área entendendo os riscos. Não somos feitos só de NR, somos feitos de gente para a gente. E cuidar de gente também é entender que ela não tem um molde único. É preciso entender a diversidade no sentido amplo e essa discussão é gigantesca. Ninguém está preparado, ninguém é especialista nesse assunto. Mas acho que só a gente se inclinar para tentar fazer as pessoas fazerem parte já é um bom caminho.
Como a diversidade contribui diretamente para a cultura de segurança? Pois é, a gente fala muito de como a área de segurança ou de HSE pode contribuir para a diversidade, mas é bom também lembrar que a diversidade contribui para a área de HSE. Isto porque pessoas que pensam diferente podem ter um olhar ampliado para algumas coisas. De repente, a gente tem
uma percepção de risco que anteriormente aquele grupo, que não tinha diversidade, vai passar a ter. Um ambiente com pessoas diferentes tende a ser um ambiente mais atento, um ambiente em que a percepção de risco funciona melhor, e tem mais: também é um ambiente mais acolhedor, mais ágil para a gente corrigir rotas. Isto porque ele tem segurança psicológica, as pessoas que compõem a diversidade falam o que pensam, denunciam riscos, e tem oportunidade de evitar acidentes. Já vi isso acontecendo na prática. Então, a diversidade também contribui para a área de segurança.
Qual conselho você daria a um jovem profissional LGBTQIA+ que quer seguir carreira em SST? Conselho? Eu diria que vai ficar tudo bem. Sei que cada história é única. Essas questões são muito pessoais. Cada um tem uma história, tem um elemento, tem alguma questão que preocupa. E às vezes parece até estranho pensar em ser quem se é no trabalho. Como é que eu vou levar isso pro meu trabalho? Mas preciso contar uma coisa: eu nunca conheci alguém que saiu do armário e se arrependeu. Todas as pessoas que eu converso sobre esse assunto têm um alívio no ombro. É claro, o processo acaba sendo turbulento, mas é maravilhoso. Vai ser estranho no começo, mas depois que tudo começar a se encaixar, fica tudo tranquilo .E o melhor de tudo é que você enquanto profissional vai poder contribuir muito mais porque você vai estar ali inteiro. E outra coisa também, que é um ponto importante: a luta vai existir de qualquer forma. Ou você vai lutar pra manter seu silêncio e a vida dupla, que eu chamo, ou você vai lutar para elevar sua voz. E elevar a voz não é brigar, mas é levantar a bandeira bonita, colorida, que a gente tem e ter orgulho dela. Então, a escolha é sua. E se a gente escolher levantar a voz, saiba que a gente não está sozinho. Sempre vai ter alguém para dar a mão para o nosso lado. Foi assim comigo, é assim com as pessoas que eu conheço e tenho certeza que com você não vai ser diferente.
Ref.: Revista Proteção, Saúde e Segurança do Trabalho (Digital): Diversidade e o preparo das empresas e profissionais Ed. 404, p. 10, agosto/2025.