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Visão proativa da segurança

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Pesquisador e consultor fala da Engenharia de Resiliência e seu caráter dinâmico de lidar com o mundo real

Entrevista à jornalista Marla Cardoso

A Engenharia de Resiliência, que propõe uma nova forma de pensar a Segurança do Trabalho, é relativamente nova no Brasil. O conceito é uma vertente mais atual da Ergonomia e foca em permitir, basicamente, que uma empresa esteja preparada para enfrentar ou se recuperar de eventos inesperados. Uma abordagem que se esforça para identificar e valorizar os comportamentos e recursos que contribuem para a capacidade de uma organização responder aquilo que não está previsto. Uma teoria que faz muito sentido para a SST, em especial pelo fato da área lidar com sistemas muito complexos e pela necessidade de antever eventos que podem ser potencialmente arriscados aos trabalhadores. No Rio Grande do Sul, o engenheiro, doutor em Engenharia de Produção, professor da UFRGS e coordenador do Comitê Técnico em Engenharia de Resiliência da International Ergonomics Association, Tarcísio Abreu Saurin, vem dedicando seus estudos ao tema desde 2006. Não só através de projetos de pesquisa, mas prestando consultorias e aproximando a universidade das empresas. Em setembro, ele foi um dos painelistas da 2ª Jornada de Ergonomia, que integrou a programação da 20ª PrevenSul, promovida pela Proteção, em Porto Alegre. Na oportunidade, falou sobre Ergonomia e Engenharia de Resiliência e concedeu esta entrevista exclusiva em que relata como a Segurança do Trabalho pode tornar realidade essa nova abordagem.

Ergonomia e Engenharia de Resiliência foi o tema da sua participação na 2ª Jornada de Ergonomia na PrevenSul. O que é a Engenharia de Resiliência? A Engenharia de Resiliência é uma área mais nova da Ergonomia em relação às áreas mais tradicionais, como a ergonomia física, especialmente. Como o próprio nome sugere, ela visa contribuir para o desenho de sistemas resilientes. A resiliência é, sucintamente, a capacidade de adaptação de um sistema. Embora as pessoas associem resiliência à capacidade de adaptação após a ocorrência de algo indesejado, como a enchente que vivemos em maio no Rio Grande do Sul ou a pandemia, a resiliência envolve se adaptar, antecipar, se preparar antes de acontecer algum evento indesejado.

E como na prática essa abordagem funciona? A Engenharia de Resiliência tem três grandes interesses. Todo o sistema vivo, como uma empresa, um ecossistema, tem um pouco de resiliência, caso contrário, não estaria ativo. Um sistema resiliente é aquele que se adapta, que continua vivo apesar das dificuldades. Mas muitas vezes essas práticas que garantem a resiliência são informais, até porque ela vai além de simplesmente cumprir procedimentos. No mundo real, que é muito complexo, esses padrões já pré-estabelecidos nunca são suficientes para a execução das atividades. Sempre surgem situações novas, os padrões são incompletos, por isso essas práticas de resiliência acabam passando despercebidas. Então, um dos interesses da resiliência é dar visibilidade, trazer à tona essas práticas, observar a resiliência em sistemas reais para tentarmos manter essas práticas e melhorá-las. O outro foco da Engenharia de Resiliência é a sua medição. Que tipos de indicadores podem ser desenvolvidos, como as vulnerabilidades podem ser identificadas e os pontos fortes. Existem algumas ferramentas para essa medição. Uma das mais conhecidas é o Resilience Assessment Grid, que traz questões ligadas a quatro potenciais de sistemas resilientes. Recentemente esse questionário foi rebatizado pelo professor Erik Hollnagel como Systemic Potentials Management, trazendo uma versão mais atualizada. Além desses, há questionários que avaliam a resiliência psicológica do indivíduo. As abordagens são complementares. Segundo Hollnagel, que é um dos fundadores dessa área, sistemas resilientes são caracterizados por quatro potenciais que podem ser medidos: monitorar o que está acontecendo, antecipar possíveis ameaças e oportunidades, responder a essas situações e aprender não só com aquilo que dá errado, mas com o que dá certo. Nem sempre aquilo que dá certo acontece pelo fato das pessoas cumprirem rigorosamente os planos. Geralmente as coisas dão certo porque as pessoas conseguem preencher aqueles buracos dos planos, conseguem adaptar os planos ao contexto complexo de cada situação.

É uma proposta diferente da área da Segurança, que costuma analisar o trabalho mais pela perspectiva do erro do que pelo acerto… Exatamente. Esse é um dos principais pontos dessa abordagem: aprender com o que dá certo. O que dá certo, na verdade, é o que acontece na maior parte do tempo nas empresas. Os acidentes, mesmo naquelas empresas que não são muito adequadas do ponto de vista da Saúde e Segurança do Trabalho, não são eventos que acontecem a todo o momento. Até por uma questão aleatória de sorte, uma empresa que não se preocupa muito com a área pode passar algum determinado período sem registrar nenhum evento inseguro. Na grande maioria do tempo os resultados de produtividade, qualidade e segurança acontecem. Só que também há muitas oportunidades de aprendizagem, porque esses resultados desejados não estão acontecendo apenas porque planos bem feitos foram seguidos, mas porque o sistema está se adaptando de

formas, muitas vezes, invisíveis para a gerência. A gerência pode estar imaginando que as coisas estão dando certo porque todo mundo está seguindo os planos que ela fez, mas na realidade, olhando mais de perto, vamos encontrar muitas adaptações que geram oportunidades de aprendizado.

Mas essas adaptações também não podem ser fontes de perigo para os trabalhadores? Com certeza. Podem ser fontes de risco que por acaso não geraram um acidente ainda. Por isso precisamos entender e separar qual é a adaptação interessante, que vale a pena sistematizar, disseminar na empresa, e qual é aquela que está fazendo a coisa dar certo, mas às custas, muitas vezes, de esforço excessivo dos trabalhadores, de estresse, de sobrecarga de trabalho. Isso é importante enfatizar, porque esse tipo de resiliência que acontece às custas do esforço excessivo do trabalhador, embora seja muito comum, não é o tipo de resiliência ideal, que gostaríamos. O tipo de resiliência ideal é o apoiado por um projeto, por um sistema que apoia a resiliência. Essa, aliás, é a terceira ênfase da Engenharia de Resiliência. Já havia falado das outras duas, que é observar e medir, eaterceira, que é a mais importante, é projetar sistemas resilientes. Existe um conjunto de princípios para a criação de projetos de sistemas resilientes. Um deles, que acho mais interessante, é o de projetar folgas nos sistemas. Podem ser redundâncias de máquinas, de pessoas, podem ser folgas de tempo, até uma folga financeira. Uma empresa que tenha uma folga financeira terá mais recursos para contratar serviços especializados em segurança, para pagar profissionais especializados

na área. Só percebemos a importância dessas folgas quando estamos em uma situação de crise. Caso contrário, podemos entender que as folgas são até um desperdício, que elas vão passar muito tempo em stand by, em espera, sem serem utilizadas, e a empresa pode passar a se perguntar: por que preciso ter essa folga de espaço, de tempo, de pessoal, se isso nunca é utilizado? Por isso é importante que haja uma cultura de segurança forte, para que as pessoas aprendam a respeitar essas folgas e usar no momento realmente necessário. Tenho um exemplo bem concreto de como seria projetar essas folgas. Aqui no Rio Grande do Sul temos uma estrada que leva as pessoas de Porto Alegre ao Litoral e, em feriados, em momentos de grande movimento, o acostamento é liberado para que os carros possam transitar por ali. Ele não foi projetado para isso, mas é um recurso. Em uma situação como essa, essa folga acaba contribuindo de modo controlado, com sinalização, com limites de velocidade, de modo seguro.

Na área de Saúde e Segurança do Trabalho, dentro das empresas, como esse sistema de folgas pode ser aplicado? Uma empresa que é modelo de gestão da produção no setor automotivo é a Toyota e ela tem uma prática de trabalhar dois turnos por dia, de oito horas, com dois intervalos de quatro horas entre esses turnos. Esses dois intervalos de quatro horas servem, não só para buscar atrasos de produção, mas também para fazer manutenção de máquinas, e isso tem uma implicação em segurança, serve para instalar proteções coletivas, se for o caso, então pode ter uma folga de tempo. Pode ter também folgas de equipamentos, as empresas terem equipamentos redundantes, caso um equipamento seja danificado. Folgas nos estoques de materiais, por exemplo, estoque de EPI, que não pode faltar em nenhuma empresa. Ela precisa ter uma margem de segurança no seu estoque de EPI para dar conta de alguma necessidade não antecipada. Enfim, qualquer tipo de recurso financeiro, de espaço, pode funcionar como uma folga para lidar com situações não antecipadas.

Anteriormente o senhor falou sobre a perspectiva do aprendizado a partir dos acertos. De que forma as empresas podem virar essa chave e passar a olhar muito mais para o acerto do que para o erro?

É preciso ter uma visão proativa de Segurança do Trabalho, porque a visão reativa, por definição, está focando em alguma perda que já aconteceu. Esse é o primeiro ponto. O segundo é o que a gente pode aprender. Perceber que também pode aprender com os acertos. Começar percebendo que o acerto não acontece simplesmente porque os planos foram bons, mas por nos darmos conta que as equipes preenchem esses buracos pela experiência delas. Passa muito por valorizar o conhecimento tácito. Precisamos buscar esse conhecimento e disseminar depois para toda a empresa. Um exemplo prático de como o aprendizado pode ocorrer a partir de acertos: na minha apresentação na PrevenSul mostrei o exemplo de caminhoneiros que fazem viagens de longa distância, onde não há pontos de parada na estrada. Em alguns trechos não têm a quem recorrer e muitos deles acabam criando cozinhas nos seus caminhões, onde conseguem preparar comidas mais saudáveis e baratas, fazendo as refeições nos horários que eles querem, nas condições que eles querem. Esse é o exemplo de uma prática que acontece a partir do conhecimento tácito, da experiência desses profissionais, e que pode servir de exemplo para que as empresas possam melhorar essa prática, dar um apoio organizacional para esse sistema.

A figura do trabalhador é essencial para o funcionamento desses sistemas resilientes, então? 

A segurança, em qualquer visão, sempre deve ter o trabalhador como foco final, mas essa perspectiva talvez deixe isso mais claro por dar tanta importância ao conhecimento desses trabalhadores. Reforço que essa visão vai além do procedimento e do padrão. Ela assume que o processo é importante, é sempre necessário planejar, tentar desenvolver os melhores padrões, mas especialmente, quando o ambiente é muito dinâmico e complexo, vamos precisar sempre buscar esse conhecimento dos trabalhadores.

Por mais que exista a necessidade desses padrões, acaba sendo um processo bastante dinâmico? 

Sim, porque os sistemas complexos estão sempre mudando. As empresas reclamam muitas vezes que a solução que elas implementaram, de segurança ou de outra área, não se sustentou com o tempo. Em parte, porque as coisas mudam. Aquela solução era válida para aquele contexto, com aquelas pessoas e tecnologias, mas a empresa terá rotatividade de funcionários, vai mudar um requisito de um cliente, e aquela solução vai deixar de ser válida. Então, nós temos que ter esse processo contínuo de revisitar os planos e capacitar as equipes para essas habilidades não técnicas, que tem esse papel mais genérico que comentei de lidar com esse caráter dinâmico do mundo real.

Há muitos desafios para que as empresas olhem para esse conceito de Engenharia de Resiliência? 

O primeiro desafio é a falta de conhecimento. A área de Segurança tem uma questão que pode ser até um pouco polêmica: a nossa dependência de leis, de regulamentação. No mundo inteiro segurança não é o objetivo final de uma empresa e os clientes não compram segurança, querem os produtos e os serviços que a empresa oferece. Temos que ter leis, como o meio ambiente também precisa ter, que exijam que as empresas cumpram requisitos mínimos, só que, por outro lado, isso acaba burocratizando muito o processo e criando uma mentalidade dos próprios profissionais de segurança, em se preocupar em cumprir a norma, criar os documentos necessários, gerar evidências documentais, que não necessariamente são as reais. Esse é o lado ruim da padronização. As empresas acabam tendo toda uma estrutura, mas os profissionais de segurança gastam tempo, na maioria das vezes, não de fato fazendo a segurança do mundo real, mas gerando documentos para atender outro cliente que não é o trabalhador. Para atender um fiscal, um contratante, para se proteger judicialmente, mas isso não está agregando valor para o trabalhador de fato. Alguns estudos mostram como pode ser ilusória essa visão mais documental. Um estudo muito famoso na Austrália, do professor Sidney Dekker, em uma rede de supermercados, comparou um conjunto de lojas de uma empresa que tinha toda a estrutura tradicional de gestão de segurança, com suas documentações e outro conjunto de lojas que tinha só o mínimo necessário, aquilo que era fundamental. Ele comparou o desempenho desses dois conjuntos de lojas ao longo do tempo. A conclusão foi que não havia uma diferença significativa em termos de taxas de acidentes. Os dois grupos de lojas tinham níveis similares de segurança. Fica a pergunta: qual a utilidade de fato dessa papelada toda? Será realmente necessário? Será que não está piorando a segurança da empresa? Por que estarei tirando o foco do que realmente é importante para outras demandas. Pode ser frustrante porque grande parte do tempo de muitos profissionais é dedicado a isso, mas é uma reflexão válida. Deveria ter um equilíbrio melhor. Claro que sempre será necessário ter a documentação, mas acho que muitas vezes vamos ao outro extremo. Tem empresas que conheci no setor da Construção Civil que tinham departamentos para lidar com a burocracia de desembargar obras, profissionais especializados nisso. Uma distorção em relação ao que deveria ser a finalidade da empresa e da Segurança do Trabalho. Uma ótima oportunidade para conhecer mais sobre o tema será em 2025, quando coordenarei pela primeira vez na América Latina, em Canela/RS, o principal Congresso Internacional de Engenharia de Resiliência. Informações já estão disponíveis na página www.ufrgs.br/resilience.

Ref.: Revista Proteção, Saúde e Segurança do Trabalho (Digital): Visão proativa da segurança Ed. 394, p. 10, outubro/2024.

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